"Cidadania Impura" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Valter Hugo Mãe.
Corpo do artigo
Eu já vi a Dominique muito pequenina, do tamanho de uma ervilha que poderia ser colhida por um par de formigas para aprovisionar no formigueiro. Tantas vezes mirramos a um corpinho pouquinho que se perde entre os dedos dos outros que nem quando tentam abraçar-nos conseguem. As pessoas não se podem abraçar sempre. Em alguns dias, somos mais de neblina imprecisa, uma madrugada que não vira mais nada, e estamos diante da família e dos amigos iguais à opacidade e não à matéria de um corpo.
Eu e a Dominique entendemo-nos sem grande esforço. Somos de olhar por dentro um do outro. Sinto isso. Que não preciso de explicar nada, apenas contar. Algumas pessoas são-nos tão lúcidas, quero dizer, sua capacidade de nos ver é tão límpida que não faltam outros esforços senão o do tempo sedimentando gestos e companhias.
Por isso, podemos crescer ou diminuir a espaços. Feitos de ir ao mundo ou dele voltar, investindo e recuando, tantas vezes largos como ursos ou curtos como os pardais.
Queremos necessidades novas que nos inventem novas dimensões da vida, porque julgamos tudo muito rápido e temos demasiadas dores, queremos ser atendidos com brevidade para aproveitar o que ainda temos de primavera. Somos todos convencidos de que isto é para tragédias, mas não toleramos tragédias com obediência. Somos adversos, subversivos, agressivos. Queremos tudo direitinho para que tragédia nenhuma nos impeça o envelhecimento proveitoso e consciente.
Gostamos do Japão, mas com qualidade, sem correria nem chuva, sem demasiado sol e com tradução para inglês. Pensamos que o Japão devia ser mais perto e sabemos que só vamos a Tóquio porque ficamos gigantes. Tudo nos faz gigantes por causa da alegria e a alegria é mesmo a única coisa que vale a pena. E pequenas bolsas para guardar o que se solta pela mochila ou pelos bolsos. Pequenas bolsas que nos guardam as coisas como gostaríamos de ter guardadas as pessoas e os bichos, os livros e os chocolates. Tudo tão acondicionado que pudesse ser sempre perto. Tudo perto de onde estivéssemos, mesmo que no Japão.
Havia uma aranha na parede do quarto. Não disse nada. Antes que pudesse ir libertá-la no jardim, desapareceu. Conta-se que as aranhas do Japão reaparecem no dia seguinte na forma de uma anciã que ainda quer ser feliz. Nós somos também assim. Amanhã sempre se prova.