Pai aos 50
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Agora eu podia dizer que os cortes de electricidade da nossa infância eram um momento de harmonia forçada, mas insofismável. Infelizmente, não eram. Faltava demasiado a corrente, nos Açores dos anos 1980, para que isso pudesse chegar a ser romântico. As crianças entediavam-se imenso e os adultos não tinham maturidade para se entediarem menos. Eles próprios precisavam da sua injecção diária de luz, cor e – sobretudo – ruído. Estou quase certo de que o primeiro dia da minha vida no qual ninguém ligou uma televisão à minha volta aconteceu depois de eu já trabalhar e ter a minha própria casa.
Tenho-me debatido bastante com esta questão da maturidade dos adultos porque algo me diz que três quartos dos traumas e das carências das pessoas – e, por conseguinte, uns bons dois terços dos males do Mundo – têm origem na escassez dela. Os nossos pais eram umas criançolas. Decidiam quase sempre por razões hedonistas e em quase todas as restantes vezes faziam-no para provar um argumento (melhor: um poder), o que de modo nenhum é mais maduro.
Digo “os nossos” no sentido geracional, mas tenho consciência de que os pais não eram todos iguais. Alguns decidiam primeiramente por razões de responsabilidade, o que lhes dava um ar severo e respeitável. Cheguei a invejar os filhos desses pais, aliás em várias idades. Mas responsabilidade também não é maturidade, e da própria severidade – bem vistas as coisas – se pode dizer algo parecido com aquilo que se costuma dizer do bife às três pimentas: que fica quinze minutos na boca e o resto da vida nas ancas. Era outro tipo de desamor ainda, o que traziam esses pais.
Enfim, independentemente dos padrões, com ou sem ideias definitivas, o mais importante é isto: uma boa parte do que planeamos ser o nosso percurso como progenitores (e o das nossas crias como nossos filhos) passa por fazer diferente do que fizeram os nossos pais (e nós tivemos de fazer enquanto seus filhos). O que talvez pudesse encerrar uma visão amarga do problema, se não se desse o caso de isso ser realmente melhor do que ao contrário. Aspirássemos a ser os nossos pais, a fazer como eles, e também estaríamos a impor aos nossos filhos que fizessem como nós – que fossem como nós. Não posso imaginar nada mais deprimente do que isso.
Mais egocêntrico. Mais inculto. Mais conformista e desesperançado.
De resto, nem sempre é fácil determinar onde começa e acaba a maturidade. Por exemplo: por uma coincidência retorcida e infeliz, de natureza evidentemente sobrenatural, o apagão deste dia em que escrevo custou-me seiscentos paus e, pior, um dia de férias. Só me apetece colocar uma bomba, ou pelo menos apanhar uma cadela. Mas talvez o meu filho o possa deplorar com um mínimo de paixão – ao menos isso.