Em nome da pátria e do ódio. Viagem ao submundo da direita ultranacionalista
Disseminam notícias e vídeos islamofóbicos, parte deles falsos, apregoam máximas salazaristas, espalham rancor nas redes e nas ruas, têm vindo a crescer e, nalguns casos, a reforçar o cariz paramilitar. As motivações, os alvos e a organização dos grupos de extrema-direita.
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A 17 de junho, a notícia de detenção de seis elementos de um grupo neonazi agitou o país. Não tanto pela detenção, mais pelos contornos da história, francamente incomuns em Portugal. O Movimento Armilar Lusitano, inspirado no grupo alemão Cidadãos do Reich (desmantelado em 2022), preparava-se para tomar de assalto a Assembleia da República. Na Operação Desarme 3D, foram apreendidas armas e munições no valor de “milhares de euros”, parte delas, imagine-se, produzidas através de uma impressora 3D. A história veio abalar a pacatez do sétimo país mais seguro do Mundo. Porém, o tema dos movimentos ultranacionalistas já tinha entrado no radar há dias.
A 10 de junho, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o ator Adérito Lopes foi violentamente agredido à entrada da Cinearte (Lisboa), onde a companhia A Barraca se preparava para levar a palco uma peça sobre Luís Vaz de Camões. Testemunhas no local garantiram que a agressão foi levada a cabo por um grupo de neonazis que estariam reunidos num restaurante próximo e que, entre insultos e provocações, terão gritado “morte aos comunistas”. Os autocolantes colados na porta do edifício, onde se podia ler “Remigração” e “Portugal aos portuguezes [sic]” reforçam a tese (entretanto, foi constituído arguido um jovem de 20 anos, que garante ter estado presente no almoço sem saber ao que ia).
No mesmo dia, no Porto, três voluntárias do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA) são visadas por “dar de comer a estrangeiros”. Foram insultadas e empurradas, uma delas terá sido atingida a murro. Os agressores fizeram a saudação nazi e afirmaram que os sem-abrigo estrangeiros “deviam ir para a terra deles”. Um dos suspeitos, de 24 anos, foi detido por dar um murro a um agente da PSP. Dias depois, um dos fundadores do Núcleo Antifascista de Guimarães foi atacado no centro histórico da cidade, por um membro do grupo 1143. O ativista foi transportado para o hospital de ambulância. Cinco dias, três ataques.
Na mesma altura, foi divulgado um relatório da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (CECRI), em que os peritos se mostraram profundamente preocupados com os casos de violência racista em Portugal. No documento, sublinham-se as agressões contra migrantes e pessoas LGBTI que “envolveram grupos neonazis”, o aumento acentuado do discurso de ódio, “investigações seletivas” por parte de polícias, uma “baixa taxa de sanções por crimes racistas” nos tribunais. De alguma forma, são peças de um mesmo puzzle. Aí chegaremos mais adiante. Fixemo-nos, para já, em Guimarães, onde Ricardo Ruão, o ativista agredido à luz do dia, acedeu a falar com a “Notícias Magazine” (a nossa publicação tentou também contactar Adérito Lopes e as voluntárias do CASA, sem sucesso).
Há cinco anos, mais coisa menos coisa, foi um dos fundadores do tal Núcleo Antifascista de Guimarães. O mote foi a morte de Bruno Candé, o ator de origem guineense assassinado com cinco tiros à queima-roupa, em Loures, por um antigo combatente português de 76 anos. O caso resultou na primeira condenação por ódio racial em Portugal: 22 anos de prisão. Mas voltando a Ricardo. A importunação, conta, começou algures no verão do ano passado, quando se tornou público que o grupo 1143, do neonazi Mário Machado (atualmente preso), estava a organizar uma manifestação na cidade-berço no dia 5 de outubro. O ativista conta que nessa altura, na página que tem no TikTok, fez um vídeo a apelar a uma contramanifestação, uma “via alternativa ao ódio”.
A proposta valeu-lhe uma certa fama entre os rivais. Numa mensagem partilhada no grupo do núcleo de Guimarães (no Telegram), a que a NM teve acesso, foi partilhado um tweet do grupo Racismo Contra Europeus, então liderado por Mário Machado, em que se dá conta do apelo feito por Ricardo, e se acrescenta: “Recebam este boneco como só vocês sabem”. Seguem-se acusações e montagens em que o ativista é colocado na pele de judeu (ver imagens). Os ataques não ficam por ali. Na mesma altura, colam-lhe autocolantes do 1143 à porta de casa. O ato é partilhado no Telegram com um certo regozijo. “Faz mais vídeos armado em burro”, pode ler-se, numa mensagem que acompanha a foto da porta de casa do ativista, com o autocolante colado.
Desde então, Ricardo Ruão foi recebendo uma ou outra mensagem. Até que a 14 de junho, um sábado, perto das 17 horas, em pleno centro histórico, dá de caras com João Peixoto, conhecido elemento no núcleo de Guimarães do 1143, um encontro aparentemente fortuito. Pelo menos, assim lhe pareceu. “Sabes quem eu sou?”, ter-lhe-á gritado o rival. Perante a resposta afirmativa, João Peixoto terá prosseguido. “Falas muito online, queres falar agora?”, questionou, aos berros, garante o visado. “Eu nem percebi bem de que é que ele estava a falar, mas disse-lhe: ‘Tu não tens vergonha, um homem feito aqui aos berros no meio da rua. Tu não tens uma filha em casa para criar?’”.
Segundo o ativista, que é também militante do Livre, este foi o mote para o início das agressões. “Deu-me quatro ou cinco murros, logo ao primeiro comecei a ver tudo branco e a ouvir o típico ‘piii’”, recorda. Pelo meio, ainda houve quem os tentasse separar, desde logo a esposa do agressor. Ricardo pediu para chamarem a polícia e uma ambulância, ambos foram lestos a chegar. Foi levado para o hospital, suturado com dois pontos no ouvido, ficou com um olho negro e uma microfratura no maxilar, passou “duas semanas a comer sopa, massa e gelatina”.
Não se amedronta, ainda assim. Dali, saiu direto para a esquadra, para apresentar queixa. Até hoje, não entende porque os polícias lhe pediram a ele para procurar na zona em que foi agredido possíveis testemunhas para aditar ao processo. Logo na ambulância, fez um vídeo para o TikTok, ainda com gelo na cara e marcas visíveis de agressão, a contar o episódio. Daí a saltar para as notícias foi um ápice.
Dois dias depois, nos grupos e páginas do 1143 surge uma outra versão da história. Num tweet intitulado “O antifa provocador”, garante-se que foi Ricardo quem se aproximou “de forma provocatória” e que “cercando o João, começou a proferir expressões injuriosas, ameaças e insultos”. Ainda segundo a versão do 1143, o ativista terá depois dito “de ti não quero nada, só a tua filha” e agredido João com dois murros, pelo que este “reagiu em legítima defesa”.
Contactado pela Notícias Magazine, Gil Costa, um dos porta-vozes do grupo 1143, reiterou a versão partilhada nos grupos e acrescentou: “Então se ele diz ‘quero a tua filha’, estava à espera de um abraço? Claro que não”. Ricardo nega liminarmente esta versão dos factos e mostra as mensagens ameaçadoras que lhe chegaram desde o verão passado.
Propaganda, pichagens, airsoft
O 1143 é um de vários grupos nacionalistas de extrema-direita que têm estado na mira da Polícia Judiciária e das Secretas. Na verdade, confirmou a “Notícias Magazine”, há perto de uma dezena de grupos sob vigilância atenta das autoridades. Um universo heterogéneo de organizações, que têm vindo a multiplicar-se (em certos casos, a pandemia foi o rastilho perfeito), que coincidem na lógica ultranacionalista e no discurso de ódio face aos imigrantes, mas que divergem nos objetivos, nos modelos e no nível de extremismo e violência.
Comecemos pelo 1143, referência óbvia à Conferência de Zamora, data em que foi reconhecida a independência do Condado Portucalense como Reino de Portugal. A origem do grupo remonta ao início do século, na altura como uma fação de skinheads que integravam a Juventude Leonina (claque do Sporting). Mais recentemente, o movimento seria ressuscitado por Mário Machado, o mais famoso dos neonazis portugueses, sentenciado a pena de prisão em várias ocasiões, ora por discriminação racial, ora por tráfico de armas proibidas e roubo qualificado, ora por difamação e coação, a lista é longa. Desde maio, está a cumprir uma pena de prisão de dois anos e dez meses, por ter apelado, nas redes sociais, à “prostituição forçada” das mulheres de Esquerda.
Uma investigação publicada no “Jornal de Notícias”, em agosto do ano passado, dava conta de que, num par de meses, o grupo tinha estendido os seus tentáculos a várias zonas do país, com a criação de mais de 20 grupos regionais no Telegram, destinados a espalhar a mensagem e a recrutar novos seguidores. Desde então, constatou a NM, o número continuou a crescer.
Hoje, são cerca de três dezenas e meia, com mais uns quantos em formação: Vila Real, Torres Vedras, ilhas, França e Reino Unido (existe já um para residentes na Suíça e outro para a diáspora, no geral). Na ausência de Mário Machado, que entretanto foi preso, Gil Costa tem sido um dos porta-vozes. Além dos grupos regionais, espalhados por todo o país, há ainda dois chats oficiais, no Signal, um núcleo de airsoft e outro de Proteção e Resgate Animal, vários canais oficiais no Telegram, outras tantas páginas no X (nalguns casos, para quem navegue nesta rede social sem grande conhecimento sobre o assunto, não é imediatamente descortinável a ligação das ditas páginas ao grupo).
Em todas elas se difunde propaganda islamofóbica, notícias falsas, discurso de ódio a rodos. Apelos à deportação em massa e à remigração em massa são frequentes. Por vezes, filmam-se a provocar imigrantes e partilham os vídeos. Num deles, já do ano passado, três elementos do grupo seguem de um carro na Avenida dos Aliados, no Porto, quando avistam um estafeta de entrega de comida, aparentemente indostânico. Nesse momento, começam a entoar uma música indiana, em tom de gozo. Um dos membros garante estar “sempre pronto para a morcelada”, enquanto exibe uma mão, com uma luva negra, em tom ameaçador.
À NM, Gil Costa recusou, no entanto, a ideia de o grupo promover propaganda islamofóbica. “Só queremos o melhor para o nosso país e para o nosso povo. Acima de tudo, queremos um país mais seguro, sabemos que no povo do Islão é cultural violar mulheres.” Contrariamente ao que diz, o Islão condena claramente a violação. Gil refuta ainda a etiqueta de neonazi, autointitulando-se de “nacionalista patriota”.
Nos vários grupos do 1143, que nalguns casos chegam às centenas de membros, coexistem elementos perfeitamente identificados e figuras anónimas. O próprio Mário Machado defendeu, em tempos, a legitimidade do anonimato. Uma das razões apontadas foi o facto de haver membros que são “polícias e oficiais das Forças Armadas”.
Ao que a “Notícias Magazine” apurou, além destes chats mais visíveis, existem depois grupos mais restritos, com um número menor de membros, em que a seleção é mais apertada e onde são discutidas questões e ações mais delicadas. Volta e meia, quando um membro se excede nos chats mais frequentados, alguém surge a dar o recado: “Esta conversa não é para aqui”.
Além da propagada anti-imigração propalada online a um ritmo vertiginoso, há ainda os protestos, manifestações e ações de rua contra imigrantes, as pichagens intimidatórias – em Guimarães, por exemplo, foi notícia a suástica e a referência ao grupo 1143 plasmadas na porta de um estabelecimento de um imigrante muçulmano –, os churrascos nacionalistas. Mais recentemente, o grupo tem-se também dedicado ao airsoft, jogo que é uma espécie de simulação de operações militares e policiais, com armas de pressão.
A 9 de abril, num tweet intitulado “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”, o grupo anunciou até ter já um terreno próprio para a prática da modalidade. Numa outra publicação, mais antiga, pode ler-se: “Se a guerra convencional ou civil chegar às nossas fronteiras, o grupo 1143 está preparado para transformar o seu movimento em organização paramilitar”. Gil Costa refuta, no entanto, a ideia que o airsoft está a ser usado para treinar uma milícia. “É uma modalidade legal. Toda a gente que joga quer treinar milícias?”, questiona, acrescentando que “neste momento o grupo de airsoft está parado”.
Com frequência, o grupo procura dissociar-se publicamente da prática de ações violentas. Porém, foram públicas as imagens dos confrontos no Rossio, durante a manifestação do 25 de Abril do ano passado. Gil acusa: “A violência não foi proporcionada por nós.” O financiamento é garantido, pelo menos em parte, pelo vasto merchandising que vendem online, e pelos eventos que vão organizando, onde o valor quase sempre supera o preço de custo, para servir de donativo. Em tempo de eleições, os apelos ao voto no Chega são frequentes, mas a temática não é consensual, com uma linha mais dura dentro do grupo que se opõe ao facto de o partido de Ventura contar com brasileiros, por exemplo.
Preparados para ação criminosa
No caso de outros grupos, a vertente paramilitar é ainda mais vincada. É o caso do já referido Movimento Armilar Lusitano, recentemente visado por uma operação da Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária. Criado em 2018, pretendia ser “um movimento político apoiado numa milícia armada”. Tudo começou com um grupo no Telegram (que já tinha mais de 900 membros), usado para difundir ideias extremistas, notícias falsas, incitamento ao ódio e à violência. Depois, em 2021, o grupo, que incluía um chefe da PSP e um condutor de pesados, que esteve emigrado na Suíça, avançou para um processo de recrutamento com vista à luta armada.
Os candidatos preenchiam boletins com informações pessoais, respondiam a questionários online, para avaliar o nível de radicalização, e eram submetidos a entrevistas presenciais. Depois, quem cumprisse os requisitos, era adicionado a grupos fechados do Telegram e do Signal. Ao que a PJ apurou, chegou a ser discutida a invasão do Palácio de Belém, mas a ideia acabou por cair, sendo substituída por um projeto de assalto à Assembleia da República.
Para se prepararem, fizeram treino tático, com armas de airsoft, em campos de paintball ou locais isolados, e compraram impressoras 3D para produzir armas. Na operação da PJ, foram apreendidas granadas e armas de fogo – algumas produzidas com recurso a impressoras 3D, explosivos militares e centenas de munições, no valor de “muitos milhares de euros”. “Tinham capacidade para fazer uma ação criminosa”, confirmou a PJ. Muitos tinham mochila de sobrevivência caso concretizassem o atentado terrorista.
Quanto à proveniência do financiamento, continua por explicar. Segundo o “Expresso”, pelo menos uma dezena de elementos das forças de segurança e militares terão colaborado com o grupo. Dois deles tinham ligação ao Ergue-te, partido liderado pelo antigo juiz Rui Fonseca e Castro, extinto por não apresentar contas.
O mesmo cariz paramilitar está presente noutros grupos que são uma espécie de filial de organizações neonazis internacionais. Isso mesmo foi apontado por um relatório do Projeto Global Contra o Ódio e o Extremismo (GPAHE, uma organização norte-americana), divulgado em junho de 2023. No documento, em que, por sinal, também eram referidos os partidos Chega, ADN e Ergue-te, apontava-se o caso do grupo Active Clube Portugal, cujos membros participam frequentemente em lutas de MMA e assumem estar “em preparação para uma guerra em curso contra os governos que existem para destruir a raça branca”.
Já no caso dos Portugal Hammerskins, criados no início do século por Mário Machado, o documento apontava o facto de várias investigações policiais e depoimentos de testemunhas mostrarem que “estão envolvidos em tráfico de drogas, roubos, extorsão, tráfico de armas, intimidação étnica e ataques a outros grupos de extrema-direita”.
Na lista, é ainda destacado um outro grupo inspirado num movimento internacional: os Blood&Honour Portugal. Segundo o GPAHE, o capítulo português foi criado em 1998, com o patrocínio de neonazis espanhóis, segue os princípios do nacional-socialismo e é “nostálgico do Terceiro Reich de Hitler”. Ainda de acordo com o documento, o B&H Portugal concentra-se principalmente no recrutamento de membros e na organização de concertos de “poder branco” e “tem sido historicamente um rival intenso” dos hammerskins em Portugal, “devido à sua concorrência dentro do movimento skinhead (...) e às tentativas de Mário Machado cooptar e eliminar outras fações da extrema-direita”.
Os Blood&Honour são frequentemente descritos como parceiros da organização Escudo Identitário, criada em 2017 com a intenção de repelir a “invasão islâmica” da Europa. São anti-imigração e acreditam na teoria da “Grande Substituição”, que alega que os brancos estão a ser substituídos nos seus países de origem por imigrantes, refugiados e pessoas de cor.
Ainda segundo o mesmo relatório, o grupo terá sido fundado por João Martins, conhecido ativista de extrema-direita que foi um dos condenados pela morte de Alcindo Monteiro no Bairro Alto, há 30 anos, e que no passado tinha fundado também o grupo Causa Identitária. João Martins chegou a ser apontado como um dos responsáveis pelo ataque ao ator Adérito Lopes, por ter sido filmado a passar no local, pouco depois das agressões, mas, num podcast recente com Miguel Milhão, o nacionalista negou perentoriamente essa tese, falando numa campanha movida contra si. Garantiu ainda que, desde que saiu da prisão, há mais de 20 anos, só atua “dentro do estrito cumprimento da lei” e assumiu a “rutura total” com Mário Machado.
Há ainda relatos de que João Martins estará ligado a um outro grupo, a Associação Cultural Portugueses Primeiro, que também advoga a ideologia nacionalista branca. Terá sido fundado em 2015, na sequência de uma manifestação na Assembleia da República contra o acolhimento de refugiados.
Insultos e intimidação
O relatório elencava ainda outros grupos: Força Nova (inspirado no grupo italiano anti-imigração e anti-LGBT Forza Nuova), Movimento Nacional Socialista (inspirado nos franceses Mouvement d’Action Sociale), Proud Boys Portugal (capítulo português do grupo americano que a 6 de janeiro de 2021 invadiu o Capitólio), Reconquista e Habeas Corpus. Se alguns destes movimentos tendem a dissipar-se com o tempo – os Proud Boys estarão entretanto inativos – , dando lugar a outros, há os que se apresentam com particular fulgor, em particular nas redes sociais.
É o caso do Reconquista, fundado em 2023 por Afonso Gonçalves, que tem dado que falar por organizar manifestações em locais onde se concentram imigrantes ou em eventos LGBTQ+. Todas as ações são cuidadosamente filmadas, para depois serem amplamente partilhadas nas redes, o que lhe tem permitido aumentar rapidamente o número de seguidores (são já mais de 11 mil). Invoca o lema “Pátria, identidade e futuro” e não se coíbe de partilhar mensagens misóginas. Quanto ao Habeas Corpus, foi fundado pelo ex-juiz Rui Fonseca e Castro, que até à extinção presidiu ao Ergue-te. Autointitula-se como “associação de defesa dos direitos humanos”, mas prima pela disseminação de teorias da conspiração, pelo discurso assumidamente anti-LGBTQ+, por ações contra imigrantes, por interrupções de apresentações de livros e ações intimidatórias contra escritoras.
Mariana Jones, portuense e escritora de livros infantis, que o diga. No final de 2022, escreveu o livro “O Pedro gosta de Afonso”. Andava longe de saber que a vida como a conhecia estava prestes a mudar. Em outubro de 2023, dias antes da terceira apresentação do livro, em Braga, começaram a chover mensagens de ódio. Para prevenir, a galeria optou por fazer a apresentação à porta fechada. Ainda assim, junto ao espaço reuniram-se “meia dúzia de pessoas”, que a apelidaram de “pedófila” e “promotora da homossexualidade infantil”.
“Na altura, não dei a devida importância”, assume. Os meses seguintes passam-se com relativa acalmia. Até que em junho de 2024, em plena Feira do Livro de Lisboa, o ódio volta a atingi-la. Desta vez em cheio. Estava a meio de uma sessão de autógrafos quando é interpelada por alguém que imediatamente reconhece das redes: Djalme dos Santos, rosto proeminente do movimento Habeas Corpus (que entretanto se terá retirado), munido de um telefone, a gravar tudo, enquanto se lhe dirigia, a berrar, e a questionava sobre os seus supostos “livros homossexuais para crianças em idade pré-escolar”. O indivíduo foi entretanto retirado do local, mas o vídeo rapidamente correu a internet. As mensagens de ódio foram às centenas, algumas com foto das filhas. “E esta, também é lésbica?”, chegaram a questionar.