Crítica de música
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Da estreia em 2021 com “Yellow” para o segundo álbum, “Weirdo”, a música de Emma-Jean Thackray regressou à Terra. Com estrondo. No intervalo entre edições, a cantora, compositora e multi-instrumentista britânica revelou padecer de autismo e de transtorno do défice de atenção com hiperatividade e, tragédia desmedida, enfrentou em janeiro de 2023 a morte súbita, de causas naturais, do/a companheiro/a de 12 anos.
Emma-Jean Thackray faz quase tudo em “Weirdo”. O trompete, com que se revelou ao mundo musical, é apenas uma peça de um arsenal de instrumentos a que dá vida e que inclui, além da voz, teclados vários, bateria, baixo, guitarra, congas, percussão, eufónio, trombone, tuba, fliscorne… A que se juntam os arranjos, gravação, mistura e produção.
Em entrevista recente, Emma-Jean diz que pretendia fazer um disco que se assemelhasse a um encontro entre Kurt Cobain, Steely Dan e Radiohead numa cabana nos confins de um bosque, ouvindo house, pop e soul. Steely Dan é garantido (e especialmente admirável quando Thackray faz o trabalho de todo um coletivo). Cobain e Radiohead pressentem-se na aspereza da guitarra e na pontual contundência melódica rock dos arranjos.
Lidos em sequência, os títulos dos temas já contam uma história pungente. Por exemplo, “Stay”-“Let me sleep”-“Please leave me alone”-“Save me”. Todavia, e num contraste quase perverso, o que se ouve são composições de uma minuciosa e direta leveza. Ou seja: de um lado, soul-funk num barco que flutua em jazz, umas vezes nos anos 1970, com os requintes de construção e orquestração do apogeu de Stevie Wonder, outras vezes com uma fluidez livre de espartilhos estilísticos que traz para a frente a neo soul e o acid jazz da década de 1990; do outro, versos de quem processa a interrupção de um caminho de vida e o desafio de levantar uma nova casa existencial quase a partir do zero. Emma-Jean Thackray vai ficar bem.