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Este fim-de-semana não li uma página. Não vi um filme ou um episódio de uma série, não ouvi um disco ou um mísero podcast. No sábado foi difícil: tive de chamar o João para poder ir às compras e depois de o mandar para casa porque o melhor era irmos às Urgências. Nem consegui ver o Sporting, o que também não me chateou muito (já perdi a esperança). No domingo foi pior: veio o João outra vez, avô diligente, mas o Artur resistiu o mais que pôde ao sono, mesmo doente, e eu não pude sequer ir dar uma caminhada aqui à volta, como precisava. Portanto, também não vi o Benfica, que empatou, posto o que garanti a mim mesmo que ao menos ia ver o Rory McIlroy mas afinal quase adormeci nos buracos finais (e depois adormeci mesmo no play-off).
De modo que tenho pouco o que contar. Cozinhei galinha, peixe e carne picada, porque felizmente ele não perdeu o apetite, e ainda tive de lhe descascar – ou descaroçar, como ele prefere – mais de uma dezena de peças de fruta, que mesmo assim ele complementou com umas batatas fritas que foi roubar à despensa sem eu ver. No sábado esfreguei-o três vezes com Cicalfate, como mandou a médica, e cumpri ao pormenor as dosagens e as horas do antiviral e do anti-histamínico. No domingo repeti tudo isso e ainda lhe troquei fraldas e roupas uma boa meia dúzia de vezes, porque finalmente os intestinos se lhe desprenderam e foi o diabo.
Falhei todos os eventos da livraria, inclusive aqueles em que a minha presença era mais conveniente, e para eu poder experimentar os sapatos da marcha teve de vir cá a casa o Paulo, com um par de 42 e outro de 43 numa caixa, e mesmo assim ainda foi preciso ir buscar uns 44 ao carro. A certa altura consegui ir recolher o Gauguin e a Colette ao pomar, onde tinham estado a gozar a tarde de sol, mas ambos mantiveram o ar de ressentimento com que passaram todo o fim-de-semana. De resto, vimos uns trinta episódios da Patrulha Pata, até que o gaiato franziu a testa numa prece:
— Não quero ‘Patrulha Pata’, quero ‘Paw Patrol’...
E então vimos mais trinta episódios do ‘Paw Patrol’, que em todo o caso me parecem menos nocivos do que os da ‘Patrulha Canina’, pois até eu, inimigo da ditadura do inglês, percebo o efeito que o linguajar brasileiro começa a produzir nas crianças.
Foi um pequeno esforço: a Marta estava em Lisboa e o meu filho tinha o corpinho todo pintalgado, além de acessos terríveis de comichão, pelo que eu queria fazer-lhe pelo menos algumas vontades. E ele, de meia em meia hora, torcia o pescoço, detinha em mim aqueles olhos vivos que nem a varicela consegue ensombrar e depois, sem que eu tivesse sequer que lho pedir, dava-me um abraço, apertando muito e tornando este fim-de-semana tão bom ou melhor ainda do que qualquer outro desde que nasceu.