Chama-se líquen escleroso vulvar, é uma condição dermatológica e inflamatória que aparece na vulva e que afeta, e muito, a qualidade de vida. O diagnóstico é tardio e há terapêuticas que só estão disponíveis no privado. No dia 28, assinala-se o Dia Internacional da Saúde Feminina.
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Rute Marques começou a ter sintomas aos 37 anos, sem nada saber acerca da doença que haveria de descobrir depois de muitos vaivéns, estava a navegar mares desconhecidos. Começou a sentir uma comichão aflitiva na vulva, um ardor durante a relação sexual. Procurou logo a ginecologista, que a tinha acompanhado nas três gravidezes, e que lhe receitou óvulos para aliviar. Mas meses depois continuava na mesma. A citologia estava normal, acabou por avançar para biópsia, o diagnóstico chegou: líquen escleroso vulvar. Só que o calvário a partir daqui foi longo. “A médica disse-me que a única coisa que havia a fazer era pôr uma pomada com corticoides. Mas, de cada vez que parava com a pomada, os sintomas voltavam.”
Mudou de médica entretanto, foi pedir uma segunda opinião, começou a usar duas pomadas para alternar. Nada mudava. O cenário começou a agravar-se. “A minha vulva ao espelho em vez de cor-de-rosa passou a ser branca. Tinha muitas comichões. Não cheguei ao ponto de ter fissuras, mas olhava e via uma vulva de uma pessoa de 80 anos. Cresceu-me uma pele na zona do períneo que estreitava a entrada da vagina. Há um dia em que tento ter relações com o meu marido e não consigo. Cheguei a sentar-me com ele e a dizer-lhe que, depois de um casamento de 20 anos, percebia se ele seguisse a sua vida.” Não aconteceu, o marido esteve sempre ao seu lado.
Chegou uma altura em que Rute já nem conseguia usar calças de ganga, por causa da fricção, e toda a roupa interior teve de passar a ser de algodão, “porque tudo espoleta mais comichão e às tantas torna-se persistente”. Até que decidiu bater à porta de Mónica Gomes Ferreira, ginecologista e obstetra no MS Medical Institutes. “A minha abordagem até foi bruta, nenhum médico parecia levar isto a sério, não há muita informação e isto chega a ser incapacitante. Disse-lhe que tinha recebido o diagnóstico há três anos e que tudo o que me diziam que há a fazer é pôr pomada”, lembra. Só que, afinal, havia mais alternativas. Rute tinha 43 anos quando finalmente começou a tratar a doença. Fez microneedling, são pequenas agulhas “que picam a pele, criando feridas e obrigando-a a regenerar-se, porque é isso que o líquen escleroso faz, a pele não regenera”. Também fez tratamento com plasma rico em plaquetas (PRP) e ainda uma pequena cirurgia, “para retirar a tal pele que cresceu”. “A ideia é fazer tratamento uma vez por ano, mas penso muito nas mulheres que não têm capacidade financeira para isto, fiz tudo no privado, já gastei à volta de 3500 euros, no SNS nem há consulta para tratar esta doença.” Lá iremos. Tem uma certeza apenas, a de que melhorou muito com estas terapêuticas, foram-se embora as comichões desesperantes, as dores, voltou a conseguir ter relações sexuais, a vulva voltou a ser rosa.
Mónica Gomes Ferreira, que se tem dedicado muito ao tratamento desta patologia, conhece o impacto que a doença tem na vida das mulheres. “Tem repercussões drásticas, a nível da vida sexual e na autoestima. Porque há dor, desconforto, comichão”, refere. Mas comecemos pelo princípio. O líquen escleroso é uma doença de pele, inflamatória e crónica, logo, não tem cura. Segundo Marta Ribeiro Teixeira, dermatologista na Clínica Espregueira, “pode aparecer na mucosa oral ou na zona genital, em qualquer idade, mas 90% dos casos são genitais, o chamado líquen escleroso vulvar”, que só afeta mulheres, sobretudo na menopausa, embora também haja casos jovens. A origem ainda é desconhecida, sabe-se apenas que junta fatores genéticos, inflamatórios e imunitários. Na maioria das vezes, passa de geração em geração, mas não é falado, porque ainda há um grande tabu. “É uma patologia ainda muito desconhecida, não só pela população em geral, mas também por muitos médicos, e, por isso, a maioria dos diagnósticos são muito tardios, em média podem levar cinco a dez anos.” E há uma ressalva, de acordo com a dermatologista: “Estas pacientes têm aumento de risco de cancro. É um risco baixo, mas que não se pode ignorar. Por isso é que a inflamação deve ser ativamente tratada”.
O prurido, o tratamento
Olhemos, pois, para os sintomas. Na prática, o líquen escleroso vulvar provoca a atrofia genital, a vulva fica com um aspeto esbranquiçado, e o principal sinal é um prurido intenso, “uma comichão que quase dá vontade de arrancar a pele”. “Muitas vezes, estas mulheres estão em público e sentem uma necessidade brutal de coçar. Chegam a pôr gelo, é agoniante”, aponta Marta Ribeiro Teixeira. A par disso, uma das queixas mais típicas, diz, é a dor “excruciante” na relação sexual. “Porque há processos inflamatórios cicatriciais no introito vaginal, que fica contraído, atrófico e que tem impacto na autoestima, até pela culpa que a mulher sente.” A ginecologista Mónica Gomes Ferreira segue-lhe o raciocínio e detalha mais: “Por vezes há fissuras e alterações anatómicas da vulva, por exemplo, a união entre os pequenos e os grandes lábios. Além disso, a zona do clitóris fica fibrosa e coberta de pele”.
Atualmente, refere Mónica, seguindo dados oficiais, uma em cada 30 mulheres sofre desta doença. “Mas a minha experiência diz-me que estes dados não são reais, a doença é subdiagnosticada, a maioria dos casos já chega em estádios avançados, porque antes disso não são identificados.” Como o principal sintoma é o prurido, muitas mulheres andam anos e anos a tratar o problema com antifúngicos, a acreditar tratar-se de uma infeção fúngica crónica, sem resultados. E a saltar de médico em médico. “Alguns médicos chegam a sugerir-lhes que pode ser um problema do foro psiquiátrico. E a verdade é que elas levam tanto tempo a chegar a respostas que acabam mesmo por desenvolver problemas de depressão, de isolamento no contexto do casal.”
Quando não há um diagnóstico precoce, a doença avança e mais difícil é tratar os sintomas. “Quando já há alterações anatómicas, fissuras, um clitóris totalmente coberto por pele, quando já não existe separação entre os pequenos e grandes lábios, ou uma banda de pele a nível do introito da vagina, obviamente são casos mais complicados”, alerta a ginecologista. Ainda assim, é possível aliviar a sintomatologia e até regenerar a pele. Tudo conta, até medidas simples como vestir sempre cuecas de algodão, não usar calças muito justas nem pensos diários.
Quanto ao tratamento, existem, de facto, pomadas que são corticoides tópicos e que aliviam a inflamação, que fazem parte das guidelines de terapêutica para a doença. Mas, nos últimos anos, têm vindo a surgir terapias “mais inovadoras”, que “estimulam a regeneração da pele”. Tipicamente usadas na medicina estética, têm vindo a ser aplicadas no líquen escleroso vulvar. Aliás, Mónica Gomes Ferreira dá formação nestas tecnologias a outros médicos, fundou até o Instituto do Líquen Vulvar Escleroso. Pode passar por radiofrequência fracionada bipolar, para melhorar a elasticidade da pele, pelo microneedling ou até pelo PRP. “No PRP, basicamente colhemos sangue à doente, centrifugamos, e aí as várias partes do sangue separam-se. Dentro do plasma, há o PRP, que é muito rico em fatores de crescimento, e que voltamos a injetar na mucosa vulvar para promover a regeneração.” Em último caso, também há cirurgia reconstrutiva. Sendo certo que estas terapias não são curativas, muitas precisam de ser repetidas ao longo do tempo, normalmente de ano a ano, custam centenas de euros e não estão disponíveis no SNS.
Marta Ribeiro Teixeira reconhece que “o tratamento tópico, com pomadas, não é suficiente para muitas mulheres, sobretudo nos casos mais avançados” e que estes “novos procedimentos”, “disponíveis ainda em muito poucas clínicas”, são mesmo a única resposta. “Mas claro que isto é extremamente caro. É uma doença difícil, porque, primeiro, há muito preconceito, muito tabu e as mulheres demoram a procurar ajuda. Depois, por desconhecimento, há um atraso no diagnóstico por parte da comunidade médica. No final vem a questão financeira, o que é terrível”, conclui a dermatologista.