"A vida como ela é" é um espaço de opinião quinzenal assinado pela escritora Margarida Rebelo Pinto
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A megaoperação levada a cabo pelas forças policiais do estado do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha a 28 de outubro, que resultou na morte de mais de 120 pessoas, deixou o Mundo em choque e a população ainda mais em alerta. Infelizmente, para quem reside na "cidade maravilhosa", viver em estado de guerra é, há muito tempo, o novo normal. Na última década, o crime organizado no Brasil ganhou proporções gigantescas, infiltrou-se no poder político e no poder judicial e invadiu praticamente todos os estados. O narcotráfico corresponde apenas a uma parte do lucro das fações organizadas que se multiplicam, profícuas em dissidências, sem detrimento do predomínio e do domínio de territórios por parte das mais importantes: o PCC - Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho. Com o crescimento das milícias armadas nas favelas, a violência aumentou brutalmente dentro destas áreas onde a principal fonte de rendimento é a extorsão aos próprios moradores. É como um estado feudal que cobra taxas, barrica as entradas, usa o direito de pernada e oprime o povo. Um exemplo concreto: na Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro e do Brasil, vivem quase 80 mil pessoas. Os moradores pagam eletricidade e Internet à fação que detém o poder territorial. O mesmo acontece com todos os serviços que existem dentro da favela e que circulam nela. Um motoboy, transporte mais popular dado o caos labiríntico de becos e ruelas estreitas, paga 150 reais por semana. A água engarrafada é comprada a um único fornecedor. As botijas de gás, que fora da favela têm um preço médio de 100 reais, no morro custam 140. Cabeleireiros, restaurantes, todos pagam, sem possibilidade de escapar. É a instituição da "quebradinha". E quem não pagar sofre as consequências: ameaças, agressões e não raro, a morte. Ter um fuzil é sinónimo de status e símbolo de pertença.
Neste inferno a céu aberto dominando por bandidos, as mulheres estão ainda mais desprotegidas. Sther Barroso dos Santos, de 22 anos, foi assassinada depois de se ter recusado a ficar com um traficante na comunidade da Coreia, na zona oeste. Foi violada, espancada, desfigurada, e o seu corpo deixado à porta de casa dos pais. Noutra favela, os pais de uma menina de 10 anos fugiram com os poucos bens que tinham em mochilas depois de um traficante ter dito que queria ficar com ela. Estes casos concretos espelham uma realidade esmagadora e exponencial. Segundo um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança, mais de 28 milhões de brasileiros pagam a gangues para ter comida, água e luz, e este flagelo não se limita às favelas. Numa população de 212 milhões, dos quais 56 milhões recebem a Bolsa Família dada por Lula, o Brasil vive em estado de guerra, enquanto o presidente assobia para o lado. O mesmo presidente que recusou o pedido de Claúdio Castro, governador do estado do Rio de Janeiro, para envio de reforços. Durante os confrontos, bombas levadas por drones foram lançadas sobre as forças policiais. Quatro polícias morreram e 15 ficaram feridos.
Se isto não é uma guerra, então não sei o que será.

