Pai aos 50
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É dos livros, mas agora também podemos dizê-lo de experiência própria. As férias são um momento realmente fulcral no desenvolvimento de uma criança, e são-no tanto a nível intelectual, como social ou emocional. Em quinze dias, uma criança tem tempo para estranhar a mudança de rotinas, reclamar o regresso às rotinas originais, protestar contra a inconveniência das novas, considerar a propriedade destas, entusiasmar-se com as suas possibilidades e protegê-las da ameaça do regresso às velhas.
Mostrou-o o Artur, como outros antes dele. Não foram as nossas primeiras férias a três, mas agora ele tem dois anos e meio e uma posição sobre o que está a fazer. E a sua história foi eloquente. No primeiro dia, tudo o que nos pediu foi para “ver os Monstros”. Depois da Patrulha Pata, da Masha e o Urso, do Pokoyo, do Boss Baby, do Shrek e novamente da Patrulha Pata, via o Monstros & C.ª em todas as oportunidades que encontrava. Via um bocadinho de manhã connosco, à tarde ficava um bocado com o avô e voltava a ver, a seguir vinha a Sónia e deixava-o ver outra vez. E, quando teve varicela, via várias vezes seguidas por dia, porque nós não tínhamos ninguém com quem deixá-lo e precisávamos de que nos permitisse trabalhar.
Era um exagero, mas confortava-nos a ideia de que ao menos não lhe dávamos outros ecrãs. O nosso filho não usava telemóveis, não tinha tablet, não andava no YouTube, não falava brasileiro – apenas via televisão, como nós tínhamos visto. Acontece que estava de facto viciado. Só o verbo “passear” já o irritava: queria ver televisão. Andava quezilento como nunca. E também andava desejoso de se libertar do seu vício.
A ideia foi da Marta, como todas as melhores. “Nas férias só se pode ver os Monstros uma vez por dia”, proclamou. Ele protestou: saímos de casa e exigiu regressar. No dia seguinte, protestou mais ainda: “Quero ir para casa! Quero ir para casa! Quero ir para casa!”. Mas no terceiro já protestou menos: achou graça ao restaurante. No quarto, não protestou quase nada: conversámos imenso no carro. No quinto, nem protestou: saiu de casa com a bola debaixo do braço, para jogarmos os três – e, a partir do sexto dia, passou ele próprio a dizer:
— Hoje não há Monstros!
E é evidente que, há pouco, quando passávamos no check-in para subir a bordo de regresso à ilha, nos doeu ouvi-lo dizer:
— Não quero ir para casa. Quero ir ver os animais.
Mas a verdade é que também fomos nós quem o levou ao Jardim Zoológico. E agora sabemos que algo tem de mudar lá em casa. Graças às férias, que, agitando as parcelas, lhe mostraram tanto a ele que era possível como a nós que era urgente uma nova vida. Já quanto ganhámos de referências, gestos e linguagem ao longo do processo: ah, para isso seriam precisas mais duas ou três crónicas.