Fernando Rocha: “Devíamos olhar para os comediantes como bebidas. Gostas de whisky, bebes whisky”
Venceu um concurso, gravou cassetes e CDs com piadas, ganhou ouro e platina. O palhaço da família, o puto “macaco” da escola, o miúdo de Rio Tinto cumpriu o sonho de fazer televisão. Foi eletricista, eletromecânico na CP, apanha copos. Faz 50 anos no dia 2 de julho. É um homem “maravilhosamente feliz”.
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Era véspera de São João, comprou três broas em Avintes, à noite assou sardinhas numa festa em casa. Adora cozinhar, arroz de polvo e filetes do mesmo é prato que faz bem. Marca encontro numa varanda terraço do Hotel Pestana Douro Riverside com vista soberba para o rio, seu refúgio em várias ocasiões, para pensar, para criar. Chega de sorriso aberto. É um homem simples, de beijos, abraços, afetos. Joga xadrez todos os dias no telemóvel, é o “ginásio do meu cérebro”. Antes de ligarmos o gravador, aponta para uma rua de paralelos que separa o Porto de Gondomar. Estamos do lado de Gondomar, seu concelho. Fala do deus de Spinoza, que não julga, que não castiga. Está fresco, bem-disposto, disponível. No dia anterior, estava no programa “Domingão”. Continua com espetáculos, na novela “A herança”, está a preparar uma série de ação e comédia para a SIC, em abril do próximo ano tem mais uma convenção Oporto Tattoo, organizada pela sua empresa, com mais de 400 tatuadores de todo o Mundo. Tem a mulher tatuada no peito, o pai ao lado da barriga, Camões no braço. Desfaz o formal “você” num segundo, o tratamento é por tu. E a conversa seguiu nesse tom.
É fácil despir a pele do homem da comédia ou há sempre uma piada na ponta da língua?
Não consigo despir essa pele. Sou humorista antes de saber que sou humorista. Desde miúdo, sempre que estava rodeado de amigos, um contava uma piada, outro contava outra, quando chegava ao grupo sentia que se encolhiam, “ó Rocha conta outra, conta outra”. Acabava por açambarcar o tempo, não porque queria, mas porque os meus amigos delegavam essa parte em mim. Sentia que era uma pessoa engraçada no meu grupo de amigos. Em qualquer lado que estava, era o palhacinho do grupo.
E o palhaço da família e o engraçado da escola. Colocaste uma batata no tubo de escape do carro da professora da Escola Primária?
Sim, ri-me tanto. Ela mereceu, também sou macaco. Ela era mazinha, dava-me reguadas só porque sim. Fui muitas vezes expulso por fazer rir os meus colegas. Há um lema de que gosto muito: podes perder um amigo, mas não percas a piada.
E como está a piada hoje?
Pela hora da morte.
Não está bem, nem se recomenda?
Não. Estamos a passar uma fase em que o lápis azul e a censura não vêm da PIDE, vêm da própria sociedade, o que é gravíssimo. Viemos de uma ditadura política para uma ditadura da sociedade. Cada pessoa acha que é uma antena e que a sua frequência é que está correta. Não existe respeito pela opinião dos outros. Melhor do que os limites da comédia é a liberdade de expressão. Gosto de citar Voltaire que dizia “posso não estar de acordo com aquilo que estás a dizer, mas morrerei a lutar para que possas continuar a dizer a tua opinião”. Isto sim, para mim, é a verdadeira democracia.
O humor não tem limites, temas de tabus, fronteiras que não se podem calcar?
O humor tem o limite do próprio humorista. Eu tenho os meus limites. Eu uso os meus personagens, o Tibúrcio, a Rosa Peixeira, o Tono, dou porrada a todos e está tudo bem, ninguém se sente ofendido. Mas isso é o meu estilo. O Ricardo Araújo Pereira, a Joana Marques, o Sinel de Cordes, têm outro estilo de comédia. Gostas? Não gostas? Devíamos olhar para os comediantes como bebidas. Gostas de whisky, bebes whisky. Não é por não gostares de cerveja que podes querer que os bares deste país deixem de ter cerveja só porque tu não gostas de cerveja.
Há uma piada no banco dos réus. Como tens acompanhado a situação?
Com uma enorme tristeza e desilusão. Adoro os Anjos, sempre gostei do estilo, do trabalho, das pessoas. Ao fim de não sei quantos anos, deparo-me com uma situação destas e pergunto: “Isto está a acontecer porquê?”. Não posso enfiar a cabeça na areia, estar calado não é opção. Nunca irei defender propriamente um humorista, defenderei sempre a comédia. E a comédia é uma arte. E a arte tem de ser livre. O cartoonista toca nos assuntos, toca nos problemas, com um cartoon. Um humorista ao falar de pedofilia, do que quer que seja, é a forma que tem de tocar no assunto, de mostrar o problema.
Tudo é matéria para a comédia?
Tudo é matéria para a comédia. E mais, o Papa Francisco, quando recebeu os humoristas, e dois deles foram o Ricardo Araújo Pereira e a Joana Marques, foi exatamente isso que disse. Se uma piada fizer rir pelo menos uma pessoa, já estás a fazer uma obra de Deus. E atenção que sou agnóstico, não sou cristão.
Dizes, por vezes, que o humor é de modas.
Não é só o humor, é tudo. É música, é humor, é tudo. É tudo por modas, por gerações.
Não receias passar de moda?
Não, porque as pessoas que gostam de mim acompanham-me ao longo do tempo, vão envelhecendo comigo. Não posso é desiludir quem gosta de mim. O que posso fazer é conquistar novos públicos, é isso que tenho feito. E umas das coisas que faz com que tenha conseguido é o “Domingão”. Às vezes, estou no camião do Emanuel, que fica mais ou menos à mesma altura dos primeiros andares dos prédios, e vejo pessoas nas varandas a dizer-nos adeus, pessoas já velhotas, acompanhadas pelos netinhos, porque provavelmente os filhos estão a trabalhar e deixam os filhos nas avós. E porque a avó vê, os putos também acabam por ver. Muitas vezes, vou na rua e tenho pessoas que querem tirar fotos comigo, uns da minha idade, outros mais velhos, depois miúdos de cinco, sete, dez anos. Isso é novo público.
Sempre grato ao público. É gratidão que sai da alma?
Há duas coisas que abomino e as duas começam por “i”: injustiça e ingratidão – também não gosto de incompetência, mas, às vezes, as pessoas são incompetentes não é por escolha, é porque são limitadas. Sou muito grato ao público porque sou o que sou graças a ele. Enquanto tiver público, seja na SIC, seja noutro canal qualquer, vão-me contratar. Este rapaz tem público, a gente mete este rapaz em antena, e as audiências aparecem. Um amigo, o humorista brasileiro Victor Sarro, dizia-me que esgotar três vezes, em ano e meio, a mesma sala na mesma cidade, é uma coisa que no Brasil é impensável. Porque é que isto me acontece? Porque o público gosta de mim. Então se o público gosta de mim, tenho de estimá-lo.
Como é que constróis os espetáculos? Pesquisas, adaptas anedotas ao teu estilo, dás aquele jeitinho, crias novas piadas?
O mundo da comédia mudou, evoluiu, há muito mais gente no mercado. O “Levanta-te e ri”, quando apareceu, deu a conhecer ao mercado português o que era o stand-up comedy. Até ali ninguém sabia o que era, havia o “Seinfeld” na SIC Radical. Éramos meia dúzia, eu, o Bruno Nogueira, o Aldo Lima, o Ricardo Araújo Pereira, o Nilton, o Marco Horácio, o João Seabra, o 7 Estacas, o Hugo Sousa. Hoje, e não estou a exagerar, haverá mil humoristas. Quando há muita concorrência, novos talentos com novas formas de ver a comédia, novas formas de escrever, abordagens diferentes, pensas “isto está a ir por aqui, vamos evoluir”. A evolução é inevitável e faz com que eu cresça porque senão continuava a contar anedotas do Tibúrcio. Hoje, numa hora de espetáculo, tenho dez minutos de anedotas, os outros 50 são de stand-up. E eu gosto de fazer stand-up porque é uma forma muito bonita de fazer comédia. O stand-up tem uma regra muito gira. O humorista tem de colocar duas coisas no texto: piada e razão.
Razão?
Sim. As pessoas têm de se rever naquilo e dizer “este gajo tem razão no que está a dizer”. Às vezes, estamos a ver uma coisa que toda a gente vê, mas como é tabu, ninguém comenta. O tabu e o exagero são armas que o humorista pode usar para construir o texto. A cena do público rever-se é dar-te razão. Às vezes, digo “ó pessoal, quem é que acha que é casado com uma mulher espetacular, mas que, às vezes, é muito chata?”. E os homens levantam os braços e digo “aquele até levantou os dois braços, já não é um anúncio, é um pedido de socorro”, e a malta começa a rir.
Por vezes, é preciso adaptar o texto à plateia, improvisar, mudar o guião?
Os primeiros dois minutos são uma fase de análise mútua. Posso dizer a melhor piada do Mundo ao início e ninguém vai rir. Está tudo a ver que casaco tenho, os meus sapatos, se estou mais gordo ou mais magro, quase nem ouvem o que estou a dizer. O público está a avaliar quem é o gajo que está em cima do palco e eu estou a avaliar que tipo de público tenho à frente. E não há públicos maus.
Os humoristas é que não sabem fazer o trabalho de casa?
Têm de se adaptar ao público. Vou fazer um espetáculo para malta académica, posso falar sobre coisas mais recentes, de TikTok, de Instagram. A seguir, vou com o mesmo texto a um lar da terceira idade para velhinhos de 90 anos. Não vou arrancar uma piada, eles não sabem do que é que estou a falar. Estive em espetáculos nos Estados Unidos, em que vários humoristas chegaram lá e falaram piadas sobre figuras do jet set português. Os americanos que vivem lá há 40 anos não sabem quem são essas pessoas. Podiam ter adaptado às Kardashians, aí já ia funcionar. Portanto, a pessoa não fez o trabalho de casa, vem com aquele texto já batido, chega ali, despeja, e que se lixe. Não é o público que é mau, é o humorista que é mau.
De onde vem a inspiração?
Da própria sociedade.
Que é um caldo imenso…
Enorme. Numa simples ida ao supermercado, traz-se uma lista de comportamentos que depois de bem cozinhados consegue-se um bom texto.
Os teus personagens são eternos. Voltas sempre a eles?
Sempre. Não há anedota nova que leia em algum lado que não vá adaptá-la a um personagem que já existe há 26 anos. São personagens que caracterizam pessoas da sociedade. Não generalizando, mas generalizando, quando digo Bzaina é um bêbado, toda a gente tem um Bzaina na sua terra. Às vezes, perguntam-me “porque é que nunca teatralizaste as tuas anedotas, porquê é que nunca vestiste o Tibúrcio ou a Rosa Peixeira?”. É simples. Se os vestisse, se calhar, diziam que não era bem assim que os imaginavam. Então prefiro que cada um mantenha o seu Tibúrcio na sua cabeça, que faça parte do imaginário de cada um. Prefiro ser ilustrativo naquilo que digo e isso é outra arma que a comédia tem. Estou a contar uma piada, “entro no café, estava lá o taberneiro com uma grande camisa, com os botões quase a rebentar, o bigode a pingar o vinho, meio calvo, meio bronco, os pelos do peito para fora”, e já estou a ilustrar verbalmente. Se vestisse esse homem, talvez já não fosse igual àquilo que tu imaginaste. Faço a ilustração e cada um fica com o personagem na sua cabeça.
E brancas em espetáculos? Já aconteceu?
Não, nunca tive brancas. Já aconteceu contar mal uma piada e não obter a gargalhada que queria do público. Tenho uma técnica, consigo engatar outra piada dentro do mesmo tema que vai ter uma segunda punchline, a punchline final. A malta ri e nem se apercebeu que a primeira não funcionou, pensa que é uma piada mais comprida.
Há espírito de comunidade na comédia nacional ou há concorrência e ciumeira?
Se há concorrência não é na malta da minha geração. Apoiamo-nos uns aos outros. Aliás, com esta situação da Joana Marques, fui o impulsionador de criarmos uma associação dos humoristas para que tenhamos um grupo de advogados que nos defenda. Alguns têm capacidade financeira para pagar um advogado, mas há muitos miúdos novos que se levarem com um processo em cima não sabem o que fazer. Gostaria que esta associação se formasse ainda em 2025, em setembro. Vamos trabalhar para termos outras regalias, seguros de saúde para os associados, um monte de coisas, é uma questão de trabalho, até ao ponto de construirmos uma sede com uma sala de espetáculos e, quiçá, uns quartos à imagem da Casa do Artista aqui no Norte, inspirados no Raul Solnado e no Armando Cortez.
O motivo pelo qual a associação é criada é algo preocupante. Anteveem mais processos?
Com certeza. Uma coisa é eu manifestar-me, a Joana manifestar-se, o Manel manifestar-se, outra coisa é a Associação Portuguesa dos Humoristas Nacionais manifestar-se e ter reuniões com o ministro da Cultura, fazer propostas, apresentar propostas de leis. É outra coisa.
O apoio à cultura tem sido residual?
A comédia é o parente pobre das artes. Há uns anos, estive numa reunião do ICA [Instituto do Cinema e Audiovisual], falou-se que 80% dos filmes mais vistos em Portugal eram de comédia, mas nenhum deles tinha sido subsidiado.
Inventaste o teu próprio emprego: contador de anedotas.
É verdade.
Vences o concurso “Ri-te ri-te” da TVI e gravas cassetes e CDs de anedotas.
Vou ao programa, venço, saí, depois vou para um bar de um amigo, na Madalena, fazer umas piadas, aquilo começa a correr bem, a rebentar pelas costuras. Ao fim de um ano, para me gratificar, ele diz “vamos gravar um CD, eu ofereço-te a gravação”. A ideia era vender CDs até faturar o dinheiro que tinha investido. Foi um bom negócio.
E como se ganha disco de ouro e tripla platina com anedotas?
Não é música, não há ninguém a tocar, ninguém a cantar, é só um gajo a mandar umas larachas. Foi fixe, muito bom, mas hoje não acontecia porque está aí o YouTube e as internets e, portanto, a plataforma de entregar o meu trabalho mudou completamente. Antigamente era o CD ou a cassete. Eu sou o último dos humoristas, ainda vivo, a ter cassetes no mercado.
À venda?
Sim, ainda noutro dia fui a Trás-os-Montes, passei numa bomba de gasolina de aldeia, que tem aqueles porta-cassetes, e estava lá uma cassete de anedotas minha. Comprei-a porque já é tão raro.
Eras um puto que tinha o sonho de aparecer na televisão. Persistente e teimoso?
Sim. O primeiro programa que fiz na vida foi no Monte da Virgem, chamava-se “Às Dez”. Tinha nove anos e fiquei tão fascinado por aquele mundo da televisão que disse “é isto que quero para a minha vida”.
Como é que os teus pais reagiram à decisão de seres humorista?
Os meus pais não têm nada a ver com a arte. A minha mãe era costureira, agora está reformada, e o meu pai, que faleceu em 2013, era profissional de seguros, sempre foi uma pessoa com os pés assentes na terra. Sempre me apoiou nesta minha vida de comédia, mas dizia “não vais sair da eletricidade”, eu estava a trabalhar na CP, um emprego do Estado, um lugar quase sagrado e garantido. Na altura, tinha vinte e poucos anos, já ganhava mais a contar anedotas do que a trabalhar na CP. Eu ganhava 120 contos por mês na CP e já fazia quatro bares por semana a ganhar 50 contos em cada um. Depois, fui despedido da CP, foi o empurrão que precisava. O meu primeiro empresário foi o meu pai.
Era um homem muito frontal? Herdaste isso dele?
Sim. Muito, muito frontal. Além de frontal, era pragmático. Um frontal educado.
Uma infância feliz?
Muito feliz, na rua, a jogar à bola. Tive um pai e uma mãe maravilhosos. Fui dos primeiros da minha rua a ter o Spectrum 48 K, um computadorzito. Fui dos primeiros a ter um carrinho telecomandado. Tive duas ou três bicicletas. O meu pai comprou-me todo o equipamento de hóquei em patins que não era nada barato. Fui uma pessoa com sorte.
Curso de desenhador de construção civil, eletricista, eletromecânico da CP, apanha copos de um bar, animador de discotecas. É importante não esquecer de onde se vem? É também uma forma de te construíres como homem e como humorista?
Ainda tenho a minha mala de ferramentas de eletricista. Uma vez, a minha mulher disse “olha, tens ali a mala a apodrecer, se calhar podíamos dar ao meu irmão que anda nas obras”. Disse que não, aquela mala não sai dali por dois motivos. Primeiro, não sei se um dia vou precisar dela para voltar a pôr comida na mesa. Isto da comédia não sei como é que é. Tenho uma arte, que é a eletricidade, e isso ninguém me tira. Se tudo acabar, pego na minha malinha. Segundo, mesmo que não precise, só de olhar para ela, lembra-me de onde vim.
Num tempo em que não tinhas trabalho na televisão, refizeste a carreira, criaste o “Pi100Pé” no YouTube.
Ter o meu próprio canal deu-me uma posição de negociação maravilhosa para qualquer lado que vou. Sei que se fizer um espetáculo em tal parte, e anunciar no meu canal, tenho casa cheia.
Oito anos, 120 espetáculos de comédia, 85 humoristas, 53 milhões de visualizações. É obra. Isto mostra que a comédia pode explorar outras plataformas?
Claro, é só seguir a história. A música vinha dos cartuchos, passou para a cassete, depois passou para o CD, depois para o MiniDisc, agora já está no Spotify, e por aí fora. Tudo isto são formatos, mas a comédia é a mesma. O formato onde a gente apresenta a comédia é que é diferente. Neste momento, tens tudo o que é streaming. Por exemplo, “Rabo de peixe” deu-me uma abertura maravilhosa, uma série falada em português, líder em mais de 30 países, nem sequer a língua é uma barreira neste momento. Apesar de estarmos nesta despensa, podemos fazer coisas para a casa toda, para o Mundo todo.
O que é que te faz rir?
Aquilo que não estou à espera, não é só a mim, é a todos. Se estou a contar-te uma piada, o teu subconsciente está automaticamente a tentar perceber onde é que vai acabar. Se a piada acaba próximo ou igual àquilo que estás a pensar, tu vais dizer “ah, é giro”. Mas se a piada acaba do outro lado do hemisfério do teu cérebro, tu vais dar uma gargalhada, não estavas a contar. O que me faz rir é aquilo que não estou a contar que aconteça.
As asneiras são sinais de pontuação da comédia? O palavrão tem de ser metido no tempo certo?
Tem, mas acima de tudo é identidade, identidade do Norte. Se a pessoa é do Norte, não precisa de se preocupar em saber que o palavrão tem de estar ali, é automático. Um gajo do Norte mete o palavrão no sítio certo. A pessoa que se preocupa em pôr o palavrão no sítio certo vai fazer cagada, é melhor estar quieta.
É fácil ou difícil pôr Portugal a rir?
É fácil. O povo português gosta e precisa muito de rir. E cada vez mais, cada vez mais.
Como tem sido a experiência de ser ator?
Maravilhosa. Tenho 26 anos de carreira de humorista e quatro de ator. Quero fazer isto para o resto da vida. Uma das coisas maravilhosas é ter quase 50 anos e estar com aquela pica do início de carreira.
Quase 50 anos. Uma vida bem vivida?
Sim. Com muita experiência, muita amizade, muita loucura à mistura, muita asneira também. Não sou perfeito, cometi muitos erros, muitas asneiras. O meu melhor professor, nesta vida, foram os erros que cometi. Os erros foram ensinamentos.
A velhice assusta-te?
Não. Assusta-me a solidão.
Exigente, perfecionista, descontraído?
Sou exigente. Só tenho uma concorrência: eu. Não olho para nenhum dos meus colegas como concorrência. Tenho um lema: tenho de ser melhor que ontem e pior que amanhã. Às vezes, a gente tenta fazer melhor e até faz pior, mas isso é um fracasso e a vida também tem fracassos.
Controlas o tempo ou é o tempo que te controla?
Quem me controla é a minha mulher, ela é a minha agente, gere a minha agenda. E é fantástica, como gosta muito de mim e gosta de estar comigo, gere as coisas de forma que consiga trabalhar, que tenha tempo para estar com a família, que tenha tempo de ir de férias, que não deixe ficar mal os nossos clientes ou quem nos contrata. Toda essa gestão é feita pela minha mulher e até agora tem sido a melhor empresária do Mundo.
A família é o esteio, o porto de abrigo?
Sem dúvida. E a minha casa é o meu castelo.
O que é que te irrita profundamente?
A falsidade. Mas o que mais me irrita, que me faz saltar a tampa e que não consigo disfarçar, é a arrogância. Lido muito mal com pessoas arrogantes, metem-me asco.
Um homem de extremos?
Sim, não sei o que é meio-termo. Sou 8 ou 80.
O que vês quando te olhas ao espelho?
Uma criança que envelheceu, mas que continua criança. Sou um Peter Pan. No dia em que deixar morrer esta criança, que está aqui dentro, morreu o humorista.
Um homem feliz?
Muito, maravilhosamente feliz. Às vezes, até tenho medo de ser tão feliz e penso “isto está a correr tão bem que parece que vem aí um pássaro cagar-me na cabeça”.