Garantiu que jamais se candidataria à Presidência da República e recorreu a expressões dramáticas para desmentir tal possibilidade. Recuou, posicionou-se e é o principal favorito em todas as sondagens.
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A segunda semana da campanha eleitoral para as recentes eleições legislativas decorria sem sobressaltos de maior quando uma entrevista de Gouveia e Melo à Rádio Renascença fez soar os alarmes. “Não há dúvidas, vou mesmo ser candidato”, revelou. O almirante desfazia aquele que era considerado um dos segredos mais mal escondidos da política nacional: o da sua putativa intenção de concorrer à Presidência da República no início do próximo ano. “A guerra da Ucrânia agravou-se, a tensão na Europa também e a eleição do Sr. Trump como presidente dos EUA veio alterar a configuração internacional”, alertou. “Estamos perante uma nova tentativa de edificação de uma ordem mundial que pode ser perigosa, ou nos pode afetar de forma significativa”, justificou. Na altura, aproveitou ainda para se demarcar do atual titular do cargo que pretende conquistar. “Somos pessoas muito diferentes”, classificou assim Marcelo Rebelo de Sousa.
Era o volte-face definitivo em relação às declarações iniciais proferidas quando começou a soar a hipótese de candidatura. “Se isso acontecer, deem-me uma corda para me enforcar”, dramatizou em 2021, numa intervenção no International Club of Portugal. “Não tenho intenção de me candidatar a nada. Quando eu digo não, é não”, reforçou em 2023.
Porém, tudo mudou. Os sinais foram graduais, como no longo artigo publicado em fevereiro último, no semanário “Expresso”, em que esclareceu o seu posicionamento político. “Situo-me entre o socialismo e a social-democracia, defendendo a democracia liberal como regime.”
Quando foi conhecida oficialmente a sua intenção, os diferentes partidos políticos com assento parlamentar criticaram-lhe o sentido de oportunidade. Só André Ventura, líder do Chega, afirmou entretanto que não descarta apoiá-lo. Já Marques Mendes, o até então único candidato assumido a Belém, alertou, em declarações a um podcast da Antena 1, que o adversário “é um risco para a democracia por não ter experiência política”. Marcelo Rebelo de Sousa preferiu não tecer comentários, “por uma questão de cortesia”, mas sobretudo pela ideia que tem sobre “o que significa o cargo” de chefe de Estado.
Filho de um advogado beirão natural de Mangualde e de uma professora com origens italianas, Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo nasceu em Quelimane, na então província ultramarina de Moçambique, e passou a infância e juventude longe de Portugal continental. Depois de África, a família mudou-se para o Brasil, onde viveu em São Paulo.
Só aos 18 anos aterrou definitivamente em Lisboa, quando ingressou na Escola Naval no dia 7 de novembro de 1979. Tornou-se cadete a bordo do navio “Carvalho Araújo”, foi promovido a aspirante em 1983 e a partir de 1985 passou a operar submarinos como oficial de guarnição, até 1992. Especializou-se em comunicações e guerra eletrónica nos EUA, subiu na hierarquia da Marinha, foi comandante do Estado-Maior da Autoridade Nacional para o Controlo de Operações de Submarinos.
Pelo meio, casou-se com a mãe dos dois filhos, de quem se divorciou recentemente, quando já vivia com a nova companheira.
Durante décadas não se lhe conheceram posições políticas públicas, nem de outra matéria. Era relativamente desconhecido do cidadão comum quando o Governo então liderado pelo socialista António Costa o designou, em fevereiro de 2021, coordenador da task force para a vacinação contra a covid-19, em pleno pico da pandemia. Destacou-se pelo uso de farda e pelo aparecimento constante na comunicação social.
“Dá a sensação de que há uma tentativa ou uma vontade de menorizar o papel que as Forças Armadas tiveram. Não era um qualquer militar que fazia aquilo”, definiu esses tempos durante as IV Jornadas de Defesa + Saúde Militar, em dezembro do ano passado, quando vivia as últimas semanas enquanto Chefe do Estado-Maior da Armada.
As sondagens dão a Gouveia e Melo uma vitória clara, embora apenas à segunda volta, seja contra que adversário for. As memórias da corda para se enforcar parecem-lhe longe, agora que o Palácio de Belém é a meta para o seu próximo objetivo de vida.