"Cidadania Impura" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Valter Hugo Mãe.
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A caminho de Paracatu, pelo sertão, os ipês amarelos são irreais de tão belos. Quem nunca viu um ipê amarelo não tem como imaginar o paraíso. Por isso, é bem possível que pensemos atravessar a paisagem para chegar lá. Depois de um ipê amarelo pode haver qualquer coisa, mesmo voadora e cintilante.
Em 2011, contei que um menino de 14 anos viajou uma infinidade de vinte horas de ônibus para me encontrar em Paraty, depois de ter lido um romance que escrevi. Eu tive a certeza de nunca o esquecer. Falámos ao fim da manhã, depois da ponte, diante da entrada grande da tenda onde autores debatiam literatura e mundo. Era um menino tão feito de futuro que eu julguei ver seus sonhos transbordando do próprio olhar.
Paracatu, por seu lado, é uma cidade mineira a que chego agora, vindo de Brasília, já imaginando milagres depois de tantos ipês amarelos. A vida é-me tão generosa que me devolveu ao encontro daquele menino Igor, que depois de mais 14 anos, agora com 28 de idade, se fez prefeito da cidade. Não podia crer. Que o Igor Santos estivesse ali para um novo abraço, e que seus sonhos estivessem em andamento na condução de uma autarquia, uma história tão bonita ao meio do sertão.
Há uma ternura inevitável que guardamos para as crianças que vimos crescer. E uma alegria sem fim quando as crianças se fazem adultos plenos de sentido, erguidos numa vontade de contribuir para destinos e felicidades. Sempre ficciono que as pessoas a quem reconheço um ímpeto de bondade se façam verdadeiramente de bondade e trabalhem para humanizar, incluir, sanar fomes e precariedades. O menino que conheci com seus livros na mão, tão humilde e decidido, hoje é bastante mais alto do que eu, e é mais forte do que eu, acredito que tenha pela frente a bravura de salvar muito mais pessoas do que algum livro meu alguma vez sonhou salvar.
Penso agora que o Igor é cidadão desse paraíso que esperamos encontrar depois dos ipês amarelos. Dessa maravilha que convida a que as pessoas também se façam de maravilha e se cuidem por sincera paridade. Em Paracatu, na secura daquele calor, pensei que as pessoas haveriam de ser juntas para se alegrarem, sem deixar ninguém de fora. Viva Paracatu.