Passava dias inteiros a ver desporto, tentou o futebol, percebeu que o melhor caminho seria outro. Algarvio de gema, vive e treina em Espanha com a namorada. Nunca esquece a mãe, a quem liga várias vezes ao dia.
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Os últimos 100 metros da corrida que no passado dia 17 valeu a Isaac Nader o título de campeão do Mundo de 1500 metros de atletismo foram dignos de filme. Na cauda de um pequeno pelotão e longe da medalha de ouro, cerrou os dentes, posicionou-se à direita e usou a parte externa da pista para começar a onda triunfal de ultrapassagens que lhe valeriam a vitória. Começou por superar o neerlandês Niels Laros, partiu depois para cima dos quenianos Timothy Cheruiyot e Reynold Cheruiyot, que partilham o apelido mas não são familiares, e também os superou. O obstáculo final foi o britânico Jake Wightman, com quem cruzou a linha de meta apenas com metade de um pé de vantagem. "Dei tudo o que tinha para chegar até ao fim, não pensei em mais nada", conta à "Notícias Magazine".
Quando depois olhou para o placard eletrónico do Estádio Nacional do Japão, em Tóquio, e percebeu que vencera, Isaac esbugalhou os olhos e levou as mãos à cabeça. "Não queria acreditar", recorda. Apontou para a bancada, abriu os braços e pediu uma bandeira de Portugal, que não mais largou. E dirigiu-se ao lugar onde estava a namorada, a também atleta Salomé Afonso, a quem abraçou e beijou.
Do outro lado do Mundo, em Faro, uma mulher ansiava. Ana Zambujeiro, 52 anos, reformada da TAP e mãe de Isaac Nader, não quis acompanhar a prova em direto com receio de que os nervos a traíssem. "Pedi ao meu outro filho, irmão gémeo do Isaac, que me colocasse a par da classificação. Mas ele ficou a comemorar e esqueceu-se", lembra a rir a mulher que melhor conhece o novo herói do desporto português. Passados minutos, recebeu um telefonema. Era o próprio Isaac. "Mãe, sou finalmente campeão do Mundo. E tu também és", disse ele.
O desporto está-lhe no sangue desde o berço. O pai, o marroquino Youssef Nader, foi jogador de futebol em Portugal com passagem pelo Farense, onde o irmão e tio de Isaac, Hassan Nader, ainda hoje é ídolo e o melhor marcador de sempre do clube, com 108 golos. Os pais separaram-se tinha quatro anos, viveu depois sempre com a mãe. "Era um menino tímido que adorava jogar à bola, correr e ver desporto na televisão", refere Ana Zambujeiro. "Assistia a todas as modalidades de cada Jogos Olímpicos", lembra ele.
Tem pouca, ou nenhuma, relação com Marrocos. Não fala árabe, sequer. "Tento relativizar sempre que leio nas redes sociais críticas relacionadas com as minhas origens. Mas sou um ser humano, é claro que incomodam", reconhece.
"Doente pelo Benfica e simpatizante do Farense", antes do atletismo foi futebolista federado na formação algarvia até aos juniores. "A bola atrapalhava-me muito", sorri ao reconhecer. Corria pelo Areias de São João quando foi abordado pelos encarnados, a quem foi incapaz de dizer que não, tinha 18 anos. O ídolo era o britânico Mo Farah, quatro ouros olímpicos divididos em partes iguais pelos 5000 e os 10 mil metros, refugiado somali que, tal como ele, também se interessou pelo futebol antes de optar pelo atletismo. "Outra das minhas referências é Cristiano Ronaldo, pela sua mentalidade única. Gostaria imenso de o conhecer", afirma.
O ponto de viragem aconteceu em 2022, quando decidiu partir com Salomé Afonso para a cidade espanhola de Sória para ambos treinarem às ordens de Enrique Pascual Oliva, veterano treinador especialista nas disciplinas de fundo e meio-fundo, responsável por quatro campeões do Mundo e um olímpico. Todas as semanas, contabilizou o site especializado "Soy Corredor", faz uma média de 150 quilómetros de treinos. "É um atleta de elite", elogiou o técnico à mesma publicação.
O pouco tempo livre que lhe vai restando após as exigentes sessões passa-os em casa com Salomé a descansar ou a ver séries. A distância para a família de sangue, 950 quilómetros de Faro a Sória, é mitigada com telefonemas constantes. "Chega a ligar-me várias vezes ao dia. As visitas pessoais são raras e em relâmpago, quase não dão para matar saudades", lamenta Ana Zambujeiro, mãe do bravo farense que trouxe do Japão um título mundial inédito para Portugal.
Cargo
Campeão mundial dos 1500 metros de atletismo
Nascimento
17/08/1999 (26 anos)
Nacionalidade
Portuguesa (Faro)
[Perfil é uma rubrica semanal da Notícias Magazine]