Cidadania Impura
Corpo do artigo
Eu já contei que a Julieta tem o cabelo vermelho só de o lavar com óleos naturais. O corpo aprende coisas novas segundo a maravilha que lhe oferecemos, e a Julieta é mais do que as meninas encantadas das histórias com lobos e luas, corujas que falam e bocados de milho que sabem ver. Ela é perfeita para mil histórias lindas e meio inacreditáveis, basta que a vejamos uma vez, nem a Branca de Neve ou o Fada Sininho lhe são mais especiais. Comparadas com a minha amiga, viram duas mandrionas sem interesse nem brilho.
Julgo que é aos sábados que a Julieta levanta o arco-íris com o polegar e o deita para lá das casas todas, como se enviasse ao vento um bando de pássaros de luz. Julgo que aos sábados, por graça, ela chega à sua árvore e, com o polegar, cumprimenta a terra e os céus assim, colorindo um caminho para longe, onde quem nem a conhece se enternece e alegra. Eu sempre soube que as pessoas de cabelos vermelhos alegram. Tive provas disso a vida toda.
Eu sei que a Julieta é uma mulher mas a sua natureza é a do planeta que segura cidades e seus habitantes porque ela equilibra com seu sorriso os horizontes e as fundações das casas, as estradas que se estendem e os corações em dúvida. As estações do ano afinam por ela quando chegar e partir. A ordem do mundo aprende com sua bravura e beleza. Alimentada de pérolas macias, como se desmaiassem de saudade, a Julieta é mais incrível do que o colibri que procura beijar só as ideias de paz.
Os pintores deviam pintar a Julieta em poses nobres, toda enfeitada de dourados e ceptros, com aqueles cães enormes que parecem latir francês, e uma paisagem infinita a mostrar o património de seu império. Os pintores precisavam de pintá-la para a mostrarem nos museus e palácios, como fazia o Goya com as lordezas de seu tempo, e até hoje lhes espiamos a complexa existência impressionados com a arte e o carisma. Os pintores de hoje quase só fazem coisas tortas, mas era tão necessário um desentortado que tivesse noção da urgência de levantar a figura da Julieta numa parede, em grande, de onde aos sábados subisse mais acima o arco-íris. Tenho a certeza. Sábado a sábado, um milagre.
Alguns amigos fazem milagres. Eu prometo que vou ser santo, mas alguns amigos têm muito mais para o ser do que eu. Por isso os quero tanto como amigos. Para que me ensinem a vontade bonita de cuidar, de amar, de ter sempre mais um dia para melhorar tudo.