"A vida como ela é" é um espaço de opinião quinzenal assinado pela escritora Margarida Rebelo Pinto.
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Os livros voltaram a estar na moda. Nos últimos anos, o número de títulos publicados não parou de crescer nas Feiras do Livro de Lisboa e do Porto e as cidades do Interior recebem cada vez mais visitantes. À partida, seriam boas notícias para os escritores, mas será que a crescente venda de livros sopra a favor da literatura? Não é evidente que sim. Em primeiro lugar, o mercado livreiro tem hoje uma grande quota de livros que não são ficção: política, economia, autoajuda, desenvolvimento pessoal e outros, e, em segundo lugar, apresenta títulos que por muitos não são considerados literatura pura e dura, no sentido em que se definia a literatura até o início do século XX.
O mundo continua, a cada segundo que passa, a ser devorado pelas redes sociais onde proliferam consumidores compulsivos de um certo tipo de ficção, a Literatura Fast Food. Mas afinal como podemos definir este tipo de literatura? Ela consiste em romances com uma estrutura narrativa linear povoada de personagens estereotipados; os bons e o maus, os ingénuos e os cínicos, os vencedores e os falhados, os ricos e os pobres, desenhados a uma dimensão, criando com o leitor uma empatia quase imediata. Leem-se com rapidez e voracidade, distraem e dispõem bem, mas é muito difícil, ou mesmo impossível, retirar deles uma ideia importante, um pensamento que nos faça olhar para os outros ou para nós de forma diferente. A sua leveza e capacidade de proporcionar evasão não deixam espaço para a reflexão, ou para o pensamento crítico.
Sempre que me perguntam o que é para mim um bom livro, respondo que é um livro do qual posso retirar frases que me façam pensar, refletir, crescer. Acredito que o maior poder dos livros é o de nos transformar através de uma reflexão profunda, quase nunca imediata, uma espécie de transcendência vivida de forma íntima. O tempo é um dos grandes aliados de um escritor, que precisa da sua magia para que os enredos se entrelacem e os personagens ganhem múltiplas dimensões, e também para o leitor, que aprende a saborear a leitura.
Quantas vezes não deixamos à cabeceira da nossa cama uma obra que, propositadamente, quisemos ler devagar e do qual não nos queremos separar fisicamente? Afortunados são aqueles que foram tocados por tal magia. Um dos romances do escritor Pedro Paixão, "Espécie de amor", recentemente reeditado pela chancela da Glaciar, viveu na minha mesa de cabeceira e viajou comigo durante dois anos. A literatura de cordel sempre existiu, não há nada de novo neste fenómeno, histórias de água com açúcar nas quais as meninas boazinhas de origens humildes são maltratadas por precetoras malévolas ou madrastas detestáveis, nem sempre logrando alcançar a felicidade ao lado de um jovem rico, alto e bem-parecido, mas uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.
Os livros não mudam o Mundo, mas a literatura que irá perdurar no tempo terá sempre a capacidade de mudar os homens. E são os homens que mudam o Mundo.