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Sinto saudade de Manoel de Oliveira. De o ver atarefado pelo Porto a pensar em filmes e a criar charme. Sinto falta de termos grandes festas em torno do seu nome e do seu trabalho. Algo como Os Dias de Oliveira, com painéis pela cidade, teatros cheios para festivais de cinema e gente a chegar de todos os lados por amor e alegria.
Para mim, Oliveira significou sempre brio e grandeza. Tê-lo no Porto era como haver uma passadeira vermelha por todas as ruas, a todas as portas, e sairmos com a oportunidade de sermos pegos por um canto de filme, um canto de memória. Tudo era debaixo do olhar magnífico e monumentalizador do grande cineasta. Adorava quando nos falava para explicar que suas ideias vinham dos livros que amadureciam por anos. Eram leituras colhidas como frutos lentos, deitados à fome da imaginação, e fazer filmes parecia ler. Parecia ler, e eu adoro ler com a impressão inusitada de o fazer com alguém, de o fazer até com a multidão que enchia as salas.
Comentei com Manuel Casimiro, o grande artista plástico, que me faz falta o seu pai como um arraial de bom gosto espalhado por toda a parte. Ocorre-me essa visão das muitas pessoas, como éramos muitas pessoas quando ele vinha aos palcos para cumprimentar quem tanto o queria ver e ouvir. Naquele tempo, a presença de Oliveira oferecia sonho e frenesi, era o espanto inteiro, por sua magnitude e pela longevidade. Tudo naquele homem propendia para parecer uma fantasia de cavalheiros e damas, um feitiço ou milagre, algo desmesurado que nos tirava a terra da solidão e nos metia em viagem.
Quero muito ver Oliveira em Festa. A vastidão de seu legado de volta à vastidão do dia, do tempo de hoje, onde nos possamos reencontrar pela força do grande cinema que viu a portugalidade com rara mestria. Era bom haver festa com mil debates, testemunhos em toda a parte, exposições e filmes. Muitos filmes a par da obra de Oliveira para entendermos como se relacionam, como se fertilizam, como nos fertilizámos para o que ainda podemos fazer e imaginar. Quero muito ver Oliveira ampliado à cidade e ao país inteiro.
As saudades não são a simples ocupação do passado. São também o que faz futuro. Aquilo que impede o esquecimento e potencia o que houve com a consciência de ainda haver, ainda ser ponto de partida para mais mundo. Quero Oliveira como tesouro que não se pode esquecer. Não pela saudade de voltar atrás. Mas pela saudade de usar o melhor que se tem para fazer futuro.