"A vida como ela é" é um espaço de opinião quinzenal assinado pela escritora Margarida Rebelo Pinto
Passaram 50 anos, mas ainda me lembro bem do dia 25 de novembro de 1975. Quem nasceu depois da data que assinala a retomada do poder pelas forças democráticas, olha para as imagens e para os testemunhos deste dia como uma parte da história próxima no tempo, contudo distante enquanto referência. Existe uma diferença abismal entre aquilo que assistimos a posteriori e aquilo que vivemos na pele. E para quem o 25 de Novembro é apenas mais uma efeméride, relembro aqui em resumo o que aconteceu e porquê.
O ano de 1975 é marcado por uma forte politização do Movimento das Forças Armadas. O Partido Comunista está largamente infiltrado e usa o MFA para conduzir Portugal para um regime baseado no modelo socialista da Europa de Leste, ou seja, uma ditadura comunista decalcada do modelo soviético. Foram tempos difíceis para todos aqueles que não eram alinhados com tal ideologia. A famosa frase "tudo para o Campo Pequeno" ainda ecoa na memória de quem atravessava a adolescência ou era já adulto. Significava, nada mais, nada menos, que uma promessa de fuzilamento em massa para todos aqueles que fossem contra o processo revolucionário em curso. Foi proferida por Otelo Saraiva de Carvalho, militar, então comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), paladino da esquerda radical portuguesa. Por uma questão de rigor, transcrevo a frase completa: "Oxalá que não tenhamos de meter no Campo Pequeno os contrarrevolucionários antes que eles nos metam lá a nós". Otelo, que foi um dos heróis do 25 de Abril, emitiu nesse ano um sem número de mandados de captura em branco para prender adversários políticos de forma indiscriminada, fomentou a ocupação de propriedades rurais, bem como de casas em cidades, alegando que tais ocupações "visam resolver as necessidades de habitação condigna das populações urbanas".
Durante o período do Verão Quente, presos políticos sofreram simulações de fuzilamentos. O coronel de Artilharia, promovido a general de divisão, achava que podia tudo e que tinha o país na mão, mas nunca conseguiu dominar o Norte. Um grupo de militares que representava a fação moderada do MFA publicou a 7 de agosto de 1975 o "Documento dos Nove" que se opunha às teses políticas do documento "Aliança Povo/MFA" apresentado dia 8 de julho. Usar o nome do povo e usurpar aquilo que poderia ser a sua vontade é uma das receitas mais eficazes por parte de forças revolucionárias. Se é verdade que o povo é quem mais ordena, como cantava Zeca Afonso, também é certo que é em nome do povo que ao longo da História da Humanidade se cometeram crimes em massa: o período de terror durante o processo da Revolução Francesa no século XVIII, a Revolução Russa e a Revolução Chinesa, ambas no século XX.
Graças, repito, à retomada do poder pelas forças democráticas, por parte de um grupo de militares moderados liderados por Ramalho Eanes, que coordenou as operações com Jaime Neves e Pires Veloso, Portugal viu-se livre de uma ditadura comunista. Acredito que sem o 25 de Novembro, o 25 de Abril teria sido sol de pouca dura. Nenhuma democracia se constrói sem ameaças, lembrar o passado é uma forma de nos protegermos no presente e no futuro.

