Nina

Que raio tem o asfalto de São Paulo que brota flor, corpo puro de uma cantora como Nina Maia? Que raio é essa selva de betão e ferro que não cessa de sonhar com pessoas sempre sagradas de sua humanidade mais delicada? São Paulo prova que nenhuma opacidade vai impedir que o ser cristalino nasça. Nenhuma opacidade impede que a música brasileira siga na maravilha que tem sido, uma lição de elegância sem fim.

Nina Maia estreia com o seu super disco "Inteira", tem vinte e um anos de idade, a voz aveludada, capaz de ser grave, tão sensual quanto perigosa. Não sei como dizer, é poder, feminina e poderosa, ela bem diz "tomo conta do medo", e plana sobre complexos sonoros que são tão orgânicos quanto electrónicos, misturando o mundo do violão com a indústria de Björk, ou respirando como Billie Eilish, uma mistura de tradição e futuro, muito sofisticada, muito rigorosa.

Não há discos de estreia assim. Nina estreia como uma veterana. Ela tem uma maturidade que me deixa perplexo. Não é da sua geração. É sem geração. Mas não nega nada. Não poderia ser mais brasileira. Mais cheia de Vanessa da Mata, Tiê ou Gal. E não é nada disso. É outra coisa brasileira. Outra coisa que tenho tocando o dia inteiro. O dia todo, com a impressão de que a casa cintila de glamour, oscila de um jeito de dança, alegra sem furor, apenas uma chama pela sangue, uma paz acalorada, luminosa.

Sou doente de saber o que vai ser o futuro da música, do cinema, da literatura, da pintura. Desde pequeno que penso como haverá de ser incrível uma cantora que nasça daqui a cem anos e saiba tanto que nós já não saberemos. E o que me fascina nos novíssimos criadores é a auscultação possível do que vão ser os próximos cinquenta anos. Nina Maia carrega a brasilidade e dirige para os próximos cinquenta anos. O seu começo é o começo do futuro de que eu já só verei parte. Se isso me arrelia, também é o quanto me dá a sensação do privilégio de ainda poder assistir ao importante anúncio do que vai ser a sua presença no Mundo. "Inteira" é o anúncio de uma grande presença no Mundo. Mais uma dádiva do Brasil à humanidade.