Escreveu marchas populares, percebeu o país profundo, viveu em Washington. Uma das poucas caras novas do novo Governo, pretende um Portugal simples de processos administrativos.
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Quando Gonçalo Saraiva Matias tomou posse como secretário de Estado Adjunto e para a Modernização Administrativa, a 30 de outubro de 2015, sabia de antemão que a sua experiência política poderia ser breve. E foi. Menos de um mês depois, o programa do Governo foi rejeitado pelo Parlamento, Pedro Passos Coelho deixou de ser primeiro-ministro e ganhou forma o que ficaria convencionado na História como a “geringonça”, com o PS no poder apoiado por PCP, Bloco de Esquerda e PEV. No entanto, pairou uma espécie de premonição naquele curto consulado. Exatamente uma década mais tarde, Luís Montenegro chamou-o a liderar o Ministério da Reforma do Estado, para “acabar com a burocracia”. Um combate que se espera que dure o horizonte temporal de uma legislatura.
A nomeação mereceu comentários do presidente da República e de dois candidatos a Belém. “Falar na reforma do Estado é fácil, fazer é muito difícil”, desafiou Marcelo Rebelo de Sousa. “O que interessa é que se passe das palavras e das intenções”, atirou Gouveia e Melo. “Se for para promover a simplificação para as pessoas e para as empresas, muito bem”, assinalou, por sua vez, Marques Mendes.
Filho único de um advogado e de uma professora primária, Gonçalo Saraiva Martins nasceu e cresceu em Lisboa. “Tive uma infância claramente privilegiada, em que os meus pais sempre tiveram a preocupação de me colocar em contacto com o Mundo real”, contou ao podcast “Geração 70”, em maio do ano passado, era então professor da Católica Global School of Law, a Faculdade de Direito da Universidade Católica de que foi diretor e onde concluiu a licenciatura, o mestrado e o doutoramento, e presidente do Conselho de Administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Com cinco anos, vestia a toga do pai e fazia discursos intermináveis em cima do sofá de casa. E, durante a infância, acompanhou a mãe na escola onde esta trabalhava, na então problemática zona de Marvila, em Lisboa. “Aprendi música e escrevi marchas populares para os desfiles dos alunos”, contou. Nas férias de verão ia para a Guarda, território de origem da família paterna. Ali brincava com os primos e conhecia de perto outras realidades diferentes de Lisboa. “Vi o que era o Portugal profundo, da economia de subsistência e da desertificação”, recordou com saudade e preocupação. O interesse pelo tema ficou-lhe daí e nunca mais o largou. “O défice demográfico é o mais grave que temos em Portugal”, lamenta.
O gosto pela política acompanha Gonçalo Saraiva Martins desde tenra idade. Não tinha sequer dez anos e apoiou Freitas do Amaral na histórica campanha eleitoral para a Presidência da República de 1986. Cresceu a admirar Cavaco Silva como primeiro-ministro, a sua principal referência. “Com ele, o país mudou completamente. Havia rumo, estratégia e transformação”, reconhece. O mesmo Cavaco Silva de quem viria a ser assessor jurídico em Belém, como depois continuaria a sê-lo com Marcelo. No pós-cavaquismo, perdeu horas a acompanhar pela televisão e pela rádio os intermináveis congressos do PSD, transformados em choques titânicos entre diversas tendências. “Sou um moderado”, caracteriza-se.
Um dos momentos definidores foi quando abandonou Portugal com 26 anos e foi para os Estados Unidos como bolseiro investigador da Georgetown University Law School, em Washington. “Ia a bares frequentados por políticos, jornalistas e lobistas, nas imediações do Capitólio. E aproveitei para viajar e conhecer as várias américas dentro da América”, lembra. Regressou mais tarde para dar aulas na Universidade de Washington, foi consultor da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa, dirigiu o Observatório das Migrações.
Mantém ativo o LinkedIn, que atualizou, inclusive, com o novo cargo no Governo. Mas abandonou temporariamente o escritório de advocacia e as aulas na Católica. O objetivo é ficar no Governo muito mais tempo do que os 27 dias da sua primeira experiência executiva. Porque “é difícil viver num país que não simplifica a vida”, quer ajudar a desburocratizar a vida dos portugueses e das empresas, naquele é o próximo passo de uma nova vida pública. “Não alinho pelas vozes de quem acha estar tudo péssimo. É preciso sofisticar a economia e reter talento”, acredita.