Pai aos 50
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Onde o futebol é ardor, o golfe é ponderação. Onde o futebol é ousadia, o golfe é risco. Onde o futebol é alma, o golfe é filosofia. Todos conhecemos futebolistas capazes de articular uma ideia, alguns até um texto. Já o golfe está cheio de aforistas, manipuladores da palavra como da bola, lob shot com back spin por cima de lagos de jacarés. Por outro lado, o futebol é feito de vencedores, heróis com corpos perfeitos e a autoconfiança de Aquiles, enquanto no golfe qualquer noção de sucesso reside no intervalo entre dois fracassos.
Eu gostava que o Artur jogasse os dois. Talvez não jogue nenhum. Para já, só fala no golfe. “O gofo”, como diz. Há uns meses, percorri as lojas do chinês todas da ilha até encomendar na Amazon uma espécie de trolley com tacos e bolas de plástico. Nunca mais o largou. Às vezes vou buscá-lo à creche, lembro-me de que deixámos “o gofo” no outro carro e tenho de andar à procura da Marta, do escritório para a livraria e desta para a ginástica, caso contrário já sei que vou ouvir. Se é sábado, ponho “o gofo” no carro, apontamos ao centro da ilha e passamos os dois um par de horas no driving range, brandindo o ceptro ao encontro da utopia.
Amanhã vou jogar 18 buracos com os velhos amigos da Aroeira e a minha maior pena é que o Artur ainda não possa vir connosco. Tem um swing lindo. Mas demorará muito até que possa: só aos cinco terá força para um taco de verdade, e muito depois disso continuará demasiado frágil, lento ou disperso de atenção para efectivamente acompanhar três adultos durante quatro horas de calor, imperícia e frustração. O filho do Sérgio, o único precedente que temos no grupo, mostrou-o bem: aos 16 era um campeão, mas aos 12 ainda mal nos acompanhava.
Suspiro por esse dia em que lhes levo o meu próprio filho, ei-lo aqui, a tradição não morrerá. Mas o Sérgio foi o único de nós que realmente melhorou e já pouco joga com a malta. E a malta, bem, a malta também já não sei bem o que reste dela. Dois zangaram-se até ao ponto em que nem jogar juntos aceitam. Outro abeira-se de uma demência, quase nunca aparece. Outro ainda aderiu ao Chega com o fervor de quem invade o Capitólio – a esperança de toda a gente é que nem apareça. Talvez já nem exista, nada daquilo, senão na minha cabeça.
Mas até ao fim hei-de lembrar-me do que me disse o meu amigo que praticou os dois jogos, no caso do futebol com títulos e até internacionalizações: “Eu falhava 20 passes e era o melhor em campo, aqui falho uma pancada e perco o torneio”. Essa vertigem, esse vórtice, é de uma poesia inteiramente distinta, que o Artur só aprenderá caminhando sobre o verde. Até que lhe faça mal, vai fazer-lhe bem. Mas o jogo de equipa, claro: a formação suprema é o jogo de equipa – ademais o que reúne multidões. Uma espécie inteira poderia salvar-se só por causa dele.
*O autor escreve de acordo com a anterior ortografia