Cecília e Francisca são da Indonésia; Giovanni, Alejandra, Daniela e Alejandro da Costa Rica; Janet e Daniela da Colômbia; Teresa e Francisca de Cabo Verde. A fé guiou-os ao Santuário. Miroslav, ateu, proveniente da República Checa, aceita que as pessoas sintam necessidade de acreditar em alguma coisa.
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Com uma fisionomia invulgar, uma mulher percorre de gatas o corredor das promessas até à Capelinha das Aparições. Descalça, faz breves pausas, durante as quais se ajoelha, de terço nas mãos, e reza, alheada ao que se passa à volta. A seu lado, a filha caminha em silêncio, tentando protegê-la da chuva com um pequeno chapéu da Hello Kitty. Naturais de Bali, na Indonésia, onde a maioria da população é islâmica, viajaram mais de 13 500 quilómetros, da Ásia até à Europa, para conhecer os principais locais de culto no Vaticano, em França e em Portugal.
“A minha mãe sente-se arrependida dos pecados que cometeu e culpada pelos pecados dos homens, e, ao mesmo tempo, agradecida, porque Deus nos ama”, explica Francisca Dewi, 38 anos, farmacêutica num hospital da Indonésia, para justificar o sacrifício de Cecília Suastini, 67 anos, odontopediatra reformada. “Quando o meu pai e a minha mãe foram a Lourdes e a Fátima, pela primeira vez, prometeram que voltariam com as filhas. Infelizmente, o meu pai faleceu, há seis anos, e a minha irmã não pôde vir, mas a minha mãe quis manter a promessa.” Apesar dos contratempos, Cecília sentia-se “agradecida, feliz e, de certa forma, aliviada”.
Planeada há dois anos, a viagem à Europa concretizou-se após terem conseguido juntar os 3500 euros necessários para as despesas. “Sinto-me muito grata por termos conseguido vir, como muitos indonésios gostariam, mas não têm condições económicas”, refere Francisca. A deslocação a Fátima não estava prevista no programa da excursão, pelo que aproveitaram o dia livre para ir ao Santuário e visitar as casas dos três pastorinhos, Francisco, Jacinta e Lúcia, que assistiram à aparição de Nossa Senhora, na Cova da Iria, a 13 de maio de 1917.
Atmosfera de poder
Foi precisamente nesse local que foi construída a Basílica de Nossa Senhora de Fátima, visitada por uma família da Costa Rica, poucos dias antes da primeira grande peregrinação do ano. Uma experiência marcante, sobretudo, para Alejandro d’Ambrosio, estudante de 18 anos, quando se aproximou dos túmulos de Francisco e de Jacinta. “Senti algo denso, como se houvesse uma presença a ver-nos, a partir de cima”, conta. “Já fui a várias igrejas, com túmulos de pessoas importantes, mas nunca senti essa presença tão pesada como nesta”, assegura. “Senti uma pressão intensa no corpo, e uma atmosfera de poder. Só experienciando para entender.”
A visita ao templo católico também deixou Alejandra, madrasta de Alejandro, emocionada. “Afloraram-me todos os sentimentos”, confessa, entre lágrimas. Crente em Deus, diz ter realizado um sonho. “Aproveitei para agradecer, e para fazer alguns pedidos. Coisas familiares”, confidencia. “É uma experiência inesquecível”, sublinha. “Sente-se algo muito especial”, confirma o marido, Giovanni, 57 anos. A família da Costa Rica, a oito mil quilómetros de distância de Lisboa, começou por visitar Espanha e foi, depois, a Fátima, a pedido de Daniela, a filha mais velha do empresário.
Natural de Bogotá, na Colômbia, Janet Pizza começou por emigrar para Espanha, mas depois encantou-se pelo Porto, e mudou-se para Portugal há um ano. A trabalhar num alojamento local, aproveitou a visita da filha, Daniela Arenas, engenheira de petróleos, para voltarem ao Santuário de Fátima. “Somos católicas, e sentimos que este é um lugar que nos traz uma paz diferente e muita tranquilidade”, afirma a jovem. “Viemos rezar pela nossa família, pois estamos longe uns dos outros. A minha mãe vive aqui, em Portugal, com o marido, e eu trabalho no Brasil.”
Empenhada em reduzir os mais de 7500 quilómetros de distância que a separam da família, Daniela Arenas quer mudar-se para a Europa. “O futuro é a principal preocupação dos jovens colombianos. Lá, não há segurança, não há boas oportunidades de trabalho e há o problema do narcotráfico”, explica. “Essas são as razões por que muitas pessoas migram, como sucedeu comigo”, esclarece. “Aqui, em Portugal, sinto-me muito tranquila”, realça a mãe. “Foi isso que nos fez ficar. Mais do que o dinheiro, é podermos viver em paz.”
“Desde que moro em Portugal, sinto-me muito feliz, porque me aconteceram coisas muito boas”, partilha Janet Pizza, com a voz embargada. “Sinto necessidade de dar graças a Deus e à Virgem todos os dias. Sinto a presença d’Ela, como se me abraçasse sempre. Sinto que Ela me dá uma vida mais adiante da que estou a viver. Ilumina-me os passos”, salienta, entre lágrimas. E estar no Santuário de Fátima é um momento “muito especial”. “Sempre que venho cá, sinto que Deus me dá mais bênçãos”, garante.
Em 2024, o Santuário de Fátima foi visitado por 4018 grupos estrangeiros, constituídos por 174 891 fiéis, número que não inclui os que viajam sozinhos. No ano anterior, o local de peregrinação foi visitado por 3618 grupos estrangeiros, mas integrou mais 45 926 fiéis do que em 2024, atingindo um total de 220 817 crentes, o que representa uma crescimento significativo em relação a 2022, que acolheu 86 375 estrangeiros, integrados em 1991 grupos. Espanha, Polónia, Estados Unidos e Itália são os países com mais grupos registados nos últimos três anos.
Fé inabalável
Residente na Damaia, Amadora, Francisca Veiga, 59 anos, empregada doméstica natural de Cabo Verde, também vai todos os anos a Fátima “agradecer”, integrada numa excursão do grupo da Igreja. “Disse a Nossa Senhora que tinha fé de, um dia, conhecer o sítio onde apareceu”, recorda. “Cheguei a Portugal em dezembro de 1993, e vim cá em agosto de 1994. Desde então, venho todos os anos”, vinca, sorridente. “Sinto-me feliz, sinto-me bem, sinto-me outra pessoa, sinto paz, que é tão importante”, especifica. “Sou católica, e só não vou à missa todos os sábados e domingos se estiver muito doente. Gosto muito de ouvir o Evangelho.”
“Tenho uma fé enorme em Deus, desde criança. Perdi os meus pais em pequena e, aos 14 anos, percebi que havia uma pessoa maior, em quem podia confiar”, afirma Francisca. “Fechei os olhos, virei-me para Deus, e disse: ‘Será que Te esqueceste de mim?’ Em minutos, acho que entrei na fé, e comecei a pensar: ‘será que Ele me disse para ter calma, que tudo vai dar certo?’ E deu certo”, acredita. “Depois, virei-me para Nossa Senhora, e disse: ‘eu não tenho mãe, mas a Nossa Senhora é mãe de todos. Ajuda-me’. E Ela ajudou-me. Pedi um ramo de vida, o pão de cada dia.”
Francisca foi a Fátima acompanhada por Teresa Gonçalves, 56 anos, vestida a rigor para a ocasião. A viver na Damaia há dez anos, trabalha na limpeza de comboios durante a noite. “Não venho todos os anos, mas já vim várias vezes”, esclarece. “Quando visitei Fátima, pela primeira vez, em 2015, senti-me outra pessoa. Foi uma sensação que nem sei explicar”, assinala. “Sinto-me bem, feliz, leve”, concretiza. “Também venho agradecer a Nossa Senhora pelo dom da vida, pelos meus familiares, amigos e conhecidos. Por tudo.”
Ao contrário das pessoas que se encontravam no recinto do Santuário, Miroslav Pekarek, 53 anos, consultor oriundo da República Checa, não professa nenhuma religião. “O nosso país é ateu. Estivemos sob o regime comunista durante muito tempo”, lembra. O seu interesse por Fátima, onde foi com a mulher Andrea e um casal de amigos, limita-se à arquitetura da Basílica da Santíssima Trindade, da autoria do arquiteto grego Alexandros Tomazis. “Interessa-me saber como foi construída, porque tem um telhado muito grande”, justifica. Mas aceita que “as pessoas precisam de acreditar em alguma coisa”, como ele crê em si próprio. Nos momentos difíceis, em vez de rezar, fala com a mãe, que morreu há 35 anos.
Abrigado da chuva nas traseiras da Capelinha das Aparições, com a mulher e um casal amigo, Miroslav confessa só ter tido conhecimento da importância do Papa Francisco depois da sua morte, após ter lido alguns artigos. “Fez um grande trabalho.” Consciente de que “as pessoas precisam de acreditar em alguma coisa”, gostaria que fossem mais humanas, e não tão individualistas. “Vivemos num país que se encontra sob pressão da Rússia. As pessoas têm de se unir”, defende. “Estou um pouco assustado com o futuro. Tenho medo da eclosão de uma terceira Guerra Mundial.”