São jovens, têm 18 anos, votam pela primeira vez. Querem estabilidade e condições dignas para viver no país.
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Maria de Castro, 18 anos feitos em janeiro, está no 12.° ano na Secundária de Ermesinde, tentará entrar em Ciências da Comunicação na faculdade, foi acompanhando a campanha em resumos das televisões e em notícias de jornal. Há uma semana, não tinha o seu voto fechado, tinha certeza em quem não votaria. “Sei quais são os meus princípios e as ideologias que os partidos defendem.” Hoje vota pela primeira vez em Valongo. É um dos nomes da lista dos 123 581 jovens de 18 anos inscritos para votar neste domingo – 1,13% dos 10 850 215 eleitores recenseados nestas legislativas antecipadas.
Há assuntos que afligem a sua geração. “A crise da habitação é preocupante, há muitos jovens que não conseguem ter uma casa, por muito pequena que seja, com o salário que auferem em início de carreira ou com trabalhos em part-time”, observa. “Gostava que os políticos apoiassem mais os jovens, ajudassem nos preços da habitação, nas rendas, na alimentação. É difícil ter estabilidade financeira.” Maria sabe que escolher o próximo Governo é uma grande responsabilidade e as expectativas são altas. “Votar é importante, é um direito de todos.” Ela sabe que as mulheres não podiam votar antes do 25 de Abril. Uma luta, uma conquista. “Ainda há caminho por fazer para que as mulheres tenham mais visibilidade e não sejam descredibilizadas.”
Inês Lopes sabe o esforço das mulheres pelo voto. “Há direitos que temos como garantidos e que voltam a estar ameaçados, uma coisa pequena pode alastrar para uma coisa maior. Há ameaças à democracia em Portugal e na Europa.” Tem 18 anos, é de Santa Maria da Feira, está no primeiro ano de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. O tempo tem sido curto, época de exames, curso intensivo de Francês, reviu alguns debates, esteve atenta às redes sociais. Vota hoje pela primeira vez na escola onde fez o 1.° ciclo. “É um momento muito importante. É um direito e é um dever. Não votar não é solução, não exercer este direito é desvalorizar a luta de todos os que lutaram para que o pudéssemos fazer”, diz num fôlego.
O voto útil mereceu-lhe bastante reflexão, Inês não quer desperdiçar o seu, pensou bem, arrumou as ideias. “Não me sinto representada por nenhum partido, com o qual me identifique a 100 ou a 90%.” Mesmo com discursos tão extremados, votar em consciência é fundamental, avisa. “Um voto faz a diferença. Não votar é deixar que os outros decidam o teu futuro por ti.”
Votar é oportunidade que Raquel Meireles jamais desperdiçaria. Votou há semana, voto antecipado, hoje está numa competição de dança a quilómetros de casa, tratou de tudo, exerceu o seu direito no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, a meio da tarde do dia em que fez 18 anos. “Vou sempre lembrar-me do meu primeiro voto.” Um dia especial, a maioridade a coincidir com esse exercício de cidadania. “No estado em que o país está, e a mentalidade que anda por aí, todos os votos importam”, afirma convicta, segura do que diz. Um voto, uma vontade.
No 12.° ano na Secundária de Águas Santas, Maia, Raquel sempre se interessou por política, é assunto que se fala lá em casa, entre amigos, segue alguns partidos, vê o que se passa nas redes sociais, parou para assistir a alguns programas. “Vi alguns debates, alguns que me irritaram profundamente, e li as propostas da maior parte dos partidos”, revela. “Há discursos vazios, só sabem apresentar propostas, não apresentam soluções”, acrescenta. Andou indecisa entre dois partidos, consultou as sondagens, tomou uma decisão. “Optei pelo que estava a crescer mais para garantir o maior número de deputados.”
No dia 9 de maio, o auditório da Secundária Garcia de Orta, no Porto, tinha cerca de 120 alunos para assistir ao debate “Vou votar pela primeira vez: em quem e porquê. As legislativas 2025 e literacia política: debater com os jovens para um voto esclarecido”, com representantes de todos os partidos, exceto o PAN. A ideia partiu de Margarida Gonçalves, do 12.° ano, 18 anos, representante dos alunos no conselho-geral da escola. “Quando o Governo caiu, tive a ideia de organizar alguma coisa”, lembra. “Três eleições antecipadas são fora do ordinário e põem em causa a viabilidade do voto. As pessoas estão cansadas de ir votar.” Três horas que valeram a pena, pelo debate, para que votar pela primeira vez seja uma escolha informada e esclarecida.
Margarida vota hoje pela primeira vez e está ciente do peso do gesto. “É importante, não só porque é a primeira vez, mas também porque é votar. Apesar de a nossa democracia ter 50 anos, é uma democracia bastante recente e frágil.” Na última quarta-feira, saiu, no suplemento de Educação do Jornal de Letras, Artes e Ideias, o seu texto intitulado “A democracia não é garantida”. Preocupa-se com a liberdade, celebrou-a nos 50 anos do 25 de Abril, tal como este ano, nos Aliados.
Por tudo isso, vota. Política sempre foi assunto de conversa lá em casa, aos almoços de domingo, em ocasiões diversas. Desde cedo, Margarida quis perceber esse universo. “Tinha duas opções: entender o que estavam a falar ou não entender nada.” Decidiu-se pela primeira.
Os estudos, a habitação, o futuro
Afonso Sintra sempre foi curioso. Era muito novo e já aprofundava assuntos da escola, histórias das notícias – a polémica de Tancos, o caso Casa Pia, a queda do avião de Sá Carneiro. “Qualquer coisa e vou pesquisar muito para trás.” Gosta de saber o que se passa, estar a par da atualidade nacional e internacional. “Sou muito interessado em política”, confessa. Tem 18 anos, é de Porto de Mós, Leiria, estuda Relações Internacionais em Coimbra, na turma de Inês. Vota hoje no Juncal, sua freguesia, e está entusiasmado. “É o meu primeiro voto, a primeira vez que vou manifestar a minha opinião, o que acho que é o correto.” Hoje estão menos 2997 jovens de 18 anos inscritos, nos cadernos eleitores, do que nas legislativas anteriores, em março de 2024.
Há dias, Afonso estava nas eleições para o núcleo de estudantes, escreve no jornal da faculdade. No 12.° ano, foi vice-presidente da assembleia geral da associação de estudantes, tinha 17 anos, apreciou a experiência, o planeamento, as propostas, os debates. Não faz parte de nenhuma jota.
A política é um dos temas de conversa no grupo de amigos. Há tempos, falaram da abstenção. “Se os lugares diminuíssem, se calhar, os partidos combatiam mais a abstenção. Quer votem 20%, quer votem 70%, os 230 deputados estão sempre lá, estão sempre garantidos.” Se a abstenção tivesse consequências no número de eleitos, menos votos, menos lugares, a conversa seria outra.
Inês tem uma opinião sobre o assunto. “A abstenção vem, muitas vezes, da falta de conhecimento sobre a matéria, colada à desinformação, e àquela revolta dos jovens não se sentirem representados.” Há coisas a mudar, jovens em partidos que gerem redes sociais com linguagem mais próxima da sua geração. “Mesmo assim, não é suficiente, é preciso um apoio maior, explicar as coisas básicas, como funcionam as eleições, os círculos eleitorais, para que os jovens não caiam desamparados num mundo em que não se fala muito de política em casa.”
Volta e meia, política é tema no círculo de amigos de Raquel, raramente são conversas longas. “Sinto que muitos jovens não sabem fundamentar as ideias, não têm muito espírito crítico, só perpetuam o que ouvem sem pensar no assunto. Há tanta informação ao nosso dispor, devia falar-se mais.”
Na escola de Maria, na disciplina de História, falou-se no Estado Novo, na ditadura, em ideologias políticas. De vez em quando, a política vem à conversa. “Vejo muita gente da minha idade com ideias conservadoras em relação ao racismo, aos imigrantes.” Maria acredita numa sociedade mais empática. “Precisamos de mais gente com mente aberta, que não se deixe influenciar. Há discursos enganadores que se não forem bem interpretados podem transmitir ideias erradas”, nota.
Afonso acompanhou alguns debates, os que lhe despertavam mais atenção, espreitou notícias na televisão, viu redes sociais. Tem detetado um problema que pode afastar a sua geração dos votos. A questão da linguagem. “Os políticos complicam. Por vezes, usam termos e palavras caras que levam ao desinteresse, a que muitos jovens pensem ‘a política é chata, a política não é para mim’.” A comunicação é fundamental, a imagem também conta. “As caras também têm um peso muito grande nas propostas que representam”, realça.
O que esperar do próximo Governo? “Que cumpra os quatro anos, que cumpra o mandato legislativo”, responde Afonso. O que resolver? “Sinto que a habitação é um dos grandes problemas que assombram os jovens, a maior parte tem dificuldade em arranjar casa, ou vão por caminhos mais fáceis e endividam-se durante 30 ou 40 anos.” No Ensino Superior, acesso universal e gratuito. “As propinas representam uma pequena percentagem das despesas, de deslocações, habitação, alimentação, não é tudo tido em conta”, repara Afonso, que defende um reforço nas bolsas de apoio social.
Afonso quer estabilidade, não quer voltar às urnas tão cedo. Tem dúvidas. “Não está a ser feito um esforço para promover a tal estabilidade de que se falava no início. Os partidos estão mais preocupados em pensar em si e nos lugares do que na população.”
Maria também espera estabilidade, que o país não ande de eleição em eleição. “Espero que isso não aconteça, é difícil viver em instabilidade, não saber o que vai acontecer, andar sempre em campanha dá insegurança à vida de toda a gente.” Acompanhou as eleições nos Estados Unidos, de Trump e de Biden, por tudo o que significam e dos impactos na Europa e não só. “É uma das maiores economias, têm influência no contexto político do Mundo.”
Margarida também usa a palavra estabilidade e não quer que os políticos se esqueçam da sua geração. “Que olhem para os problemas dos jovens. Como é que alguém com um curso superior não tem como garantido um salário digno?” Quer estudar Economia na faculdade, não descarta a entrada na política, pela via diplomática. Ela que mostrou que é possível debater a utilidade do primeiro voto. Ela que foi abordada por alunos do 9.° ano que quiseram assistir à sessão.
Inês aguarda que o Governo eleito “ataque” áreas preponderantes, na saúde e na educação, com medidas concretas, na literacia política e financeira. “Precisamos de uma reforma na educação, os jovens estão desinteressados da escola, vão quase ‘obrigados’.” E pouco atentos à política, parece-lhe. “Sentem que é uma coisa muito complexa, muito complicada, e é preciso fomentar o interesse. A política tem impacto direto na vida quotidiana, há política em tudo, em todas as decisões. Nunca nenhum Governo vai ser perfeito, mesmo com esta polarização, é importante votar em consciência.”
Os jovens estão motivados. Pedro Magalhães, sociólogo, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, doutorado em Ciência Política, vê nesta mobilização, a mudança do sistema, sobretudo uma maior viabilidade de novos partidos. “Os mais jovens estavam afastados da política convencional em grande medida porque as opções partidárias mais viáveis estavam congeladas numa configuração que já não refletia a diversidade dos interesses e das preferências dos eleitores”, refere. Isso mudou e a participação eleitoral mudou também. “Resta saber se estes novos partidos são capazes de cumprir a promessa de representar os interesses dos mais jovens. Se os temas que lhes interessam continuarem fora da agenda política, receio que estes novos partidos acabem por ser tão esquecidos e ignorados como os antigos.”
O desinteresse é um equívoco
A falta de interesse dos jovens pela política é uma perceção errada. Pedro Magalhães adianta que estudos recentes mostram que os jovens se sentem mais capazes de influenciar os processos políticos, a nível individual e em grupo, do que os mais velhos. “Quem está particularmente desinteressado da política em Portugal não são os mais novos, mas sim os mais velhos, não tanto por causa da idade, mas porque a população idosa tem níveis de instrução muito baixos, o que não ajuda a desenvolver grande interesse pelas questões políticas”, considera. “Até há uns anos, é verdade que os mais jovens, apesar de serem tão ou mais ativos noutras formas de participação política (protestos, petições, etc.), se abstinham desproporcionalmente de votar”, adiciona. Contudo, nas últimas eleições, isso mudou, a abstenção diminuiu, as diferenças entre os mais jovens e os mais velhos esbateram-se.
Mas nem sempre foi assim. Nas legislativas de 2022, os jovens foram os que menos votaram, apenas 24% dos 18 aos 24 anos foram às urnas, 20 pontos percentuais abaixo da faixa etária seguinte, dos 24 aos 35. Os números estão no estudo “50 anos de democracia em Portugal: aspirações e práticas democráticas – mudanças e continuidades intergeracionais”. Uma realidade comum ao resto da Europa. “Portugal não constituiu nenhuma singularidade”, garante Conceição Pequito Teixeira, professora e investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, coordenadora do estudo.
Há questões a analisar: o interesse, a utilidade do voto, o discurso político. “O voto não é a forma preferencial dos jovens de participação na atividade política”, destaca a docente. “E o desinteresse é um equívoco, não se interessam pela política nas suas modalidades convencionais.” Há inquéritos que mostram que os jovens valorizam a participação em protestos, fóruns de discussão, o ativismo online. “Muito longe das urnas e cada vez mais próximos das ruas, quando envolvidos em movimentos.”
A literacia política nas escolas é importante, mas não basta. “Diria que tão importante como ensinar ‘factos’ e ‘dados’ sobre a política é transmitir competências. Dirigir uma reunião, organizar uma petição ou um protesto, escrever a um político, analisar criticamente uma fonte de informação, propor iniciativas para melhorar a escola, elaborar um regulamento: essas coisas aprendem-se e praticam-se, e são competências simples de cidadania que nunca mais se perdem”, sustenta Pedro Magalhães. “Não me parece que as escolas apostem o suficiente na prática da cidadania, preferindo concentrar-se na teoria da cidadania. Não chega.”
Conceição Pequito Teixeira dá nota do projeto do Agrupamento de Escolas de Rio Tinto, Gondomar, que simula eleições nas escolas e do “Aprender a votar em democracia”, do ISCSP, que irá para o terreno. “É desconcertante que a geração mais bem formada e qualificada se sinta impreparada face à política”, sublinha. “O sentimento de eficácia política, que um voto faz pouca diferença para mudar o status quo, é uma das mais significativas explicações para o afastamento dos jovens das urnas e dos partidos políticos tradicionais”, comenta.
Raquel está no 12.° ano na Secundária de Águas Santas, Maia, pensa seguir uma Engenharia ou Química ou Gestão Industrial. Desde nova que é sensível às injustiças sociais. “Desigualdade de género, discrepâncias de estilos de vida, salários injustos e até desumanos, abuso do poder. Nem toda a gente tem as mesmas oportunidades, as pessoas não têm culpa de não nascer num berço de ouro, não controlam o ambiente que determina se podem ou não estudar.” Neste momento, tem dúvidas sobre o que aí vem. “Não sei se vamos ter um Governo focado nas pessoas, nos direitos, nos serviços públicos. Não sei até que ponto vamos, os jovens, ser o principal alvo deste Governo. Espero estabilidade, mas, ao mesmo tempo, não sei, tenho um pouco de medo da extrema-direita que está a crescer na Europa.” Esta noite, tal como em eleições passadas, depois da dança e da viagem, acompanhará os resultados em casa, com a família.
Nos três anos do Secundário, Inês candidatou-se ao Jovem Autarca, projeto da Câmara da Feira, que dá voz e orçamento aos jovens do concelho, valorizando as suas opiniões e ideias para o futuro. Há campanha, eleições, os mais votados formam uma equipa. “Tinha vontade de ter uma intervenção cívica, de ter uma participação na sociedade.” Agradou-lhe fazer parte desse projeto, aprendeu imenso, envolveu-se, foi a todas as escolas básicas e secundárias do concelho saber o que os alunos queriam mudar, trabalhou a sério. Cartão municipal gratuito para jovens; jogo de tabuleiro sobre literacia financeira; workshops de alimentação saudável; um espetáculo de comédia, dança e teatro; acampamento de dois dias, ideia sua, com atividades e partilha de ideias, nos jardins do castelo da Feira. “É um projeto muito giro, que me permitiu crescer, participar e fazer a diferença sem qualquer filiação partidária.” No último ano, foi a segunda mais votada, eleita primeira vereadora.
Atualmente, Inês faz parte da Plataforma J, é embaixadora do Cartão Jovem do distrito de Aveiro. E está satisfeita. “Medidas de jovens para jovens. Temos três áreas distintas para tratar: transição ecológica, digital e inclusiva; literacia política; e literacia financeira.” No Instagram, colocaram a campanha “É para ver ou para votar?” a pensar nestas eleições.
Neste momento, Inês está inclinada a seguir algo ligado à economia, não se importaria de ter uma experiência de trabalho no estrangeiro, mas gostaria sempre de voltar. “Não sei se vou ter condições para viver e sustentar-me no meu país. Há uma crise habitacional muito grande, a ajuda para comprar a primeira casa não é suficiente, é necessário ajudar mais. Gostava muito de ficar em Portugal porque é casa e não há nada que se iguale a casa.” “Gostava de ter um futuro em Portugal”, reforça. Esta noite, estará em Coimbra colada à televisão a ver os resultados eleitorais. Tal como Margarida, Maria, Raquel e Afonso.