Para controlar o sofrimento crónico, para tratar hérnias discais, artroses ou até feridas. A técnica minimamente invasiva, que usa apenas um gás, que mistura ozono e oxigénio, ainda é muito desconhecida, mas está disponível em alguns hospitais do SNS e vai ganhando cada vez mais adeptos. É um mundo por desbravar.
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Francisca Trindade já desconfiava que as dores fortes que sentia no fundo da coluna e que irradiavam para a perna fossem sintoma de uma hérnia discal. É atleta, joga basquetebol, mesmo com analgésicos já não estava a conseguir jogar, chegou mesmo a desmaiar com a dor. Aguentou até não poder mais. Uma ida ao médico confirmou as suspeitas, viu-se obrigada a parar os treinos. "Também sou estudante de Enfermagem e já não conseguia fazer a minha vida normal sem dor." Foi então que a ozonoterapia entrou no radar, sugestão do médico, Alfredo Calheiros, neurocirurgião no Hospital de Santo António e que usa esta técnica no seu consultório privado, o Centro de Neurocirurgia e Ozonoterapia, no Porto. "O doutor explicou-me que me ia injetar uma mistura de oxigénio e ozono no disco. Percebi que o ozono tem muitos benefícios, um deles é o poder da regeneração dos tecidos, o que permite que o tamanho da hérnia diminua. É uma técnica muito menos invasiva do que a cirurgia de corte, sem anestesia geral e a recuperação é muito mais rápida."
Tendo 19 anos e podendo evitar a cirurgia e uma cicatriz, nem pensou duas vezes. Era 11 de junho, Francisca entrou ao final da tarde no bloco, saiu no próprio dia. No dia seguinte, já foi para as aulas. Entretanto, até já voltou a treinar. "O meu pai foi operado a uma hérnia há 15 anos e ficou três meses em casa sem poder fazer nada. Eu já corro, já salto. Isto mudou a minha qualidade de vida, completamente. Já não acordo com dores." Pagou cerca de três mil euros no privado.
Foi há cerca de vinte anos que o neurocirurgião Alfredo Calheiros começou a usar a ozonoterapia, sobretudo em casos de hérnias discais lombares (onde há maior evidência científica). "Fui aprender à Alemanha e a Espanha", explica. A técnica, que consiste em usar um gás que é uma mistura de ozono e oxigénio, "tem um grande potencial analgésico, anti-inflamatório, bactericida". "É muito usada na dor, é aliás magnífica neste campo. Dor articular, no joelho, no ombro, nos cotovelos, em tendinites, artroses, na lombalgia. E os resultados, principalmente na coluna, quando bem indicado, são extremamente bons." A taxa de sucesso ronda os 80% a 90%, se o diagnóstico for bem-feito. Mas como funciona? No caso de uma hérnia discal, "com uma agulha, introduz-se o gás no disco onde tem a hérnia". "É um procedimento feito só com uma ligeira sedação, minimamente invasivo e não tem praticamente riscos. Permite tratar a dor, reduzir o tamanho da hérnia muitas vezes, eliminar a inflamação. Claro que não é para todas as hérnias, cada situação tem de ser estudada."
Cada caso é um caso, mas o mundo da ozonoterapia, que está regulamentada como terapia médica em Portugal, é muito, muito vasto. Tem imensas aplicações, para tratar a dor crónica e inflamação. Manuel Alfredo Dias da Costa, anestesista e coordenador da Unidade de Tratamento de Dor do Hospital da Guarda, descobriu a técnica num congresso já lá vão uns anos. "Aquilo que mais me atraiu foi a possibilidade de poder tratar a dor com menos fármacos. Porque a grande maioria dos doentes que sofrem de dor crónica são de idade avançada, têm já várias doenças associadas e o ozono não só tinha resultados interessantes no alívio da dor, como permitia que reduzissem os analgésicos", recorda. Foi fazer formação a Espanha, descobriu médicos de várias especialidades a usar a técnica, até que a levou para a sua unidade, num hospital público do Interior do país, em 2017, como terapia complementar. Comprou-se um aparelho, que permite produzir o gás, misturando o oxigénio e o ozono, e reuniu-se uma equipa.
Um sem-fim de patologias
"Na verdade, o ozono já é conhecido há imensos anos, chegou a ser usado na I Guerra Mundial pelos alemães. E foi usado para tratar infeções, antes da penicilina, nas mais diversas doenças, em função das suas propriedades", sublinha o médico. As primeiras utilizações, é verdade, aconteceram durante a primeira Grande Guerra, em que o ozono servia para tratar feridas de guerra. E as potencialidades, essas, são muitas. "Tem propriedades desinfetantes, é um grande bactericida, anti-inflamatório, um analgésico muito forte, melhora a microcirculação. É o terceiro oxidante mais poderoso na Natureza, consegue destruir tudo, vírus, bactérias, fungos." Dias da Costa fala dos benefícios, não sem deixar o alerta: "Tem de ser utilizado mediante a técnica adequada e de acordo com os protocolos internacionais. Para meu pesar, muitas vezes é usado por clínicas privadas, nem sempre com os cuidados certos".
Mas foquemo-nos no modo de administração. Podem administrar-se por injeções locais (nos músculos ou nas articulações), por via endovenosa ou até por via retal. Só não pode ser usado por via inalatória. No caso de feridas, usam-se sacos com a mistura gasosa (que tem um cheiro semelhante àquele que se sente na terra quando há trovoada) que se põe em contacto direto com a ferida para acelerar a cicatrização. Dias da Costa trabalha sobretudo doenças sistémicas, cujo tratamento não é fácil, basta ver que tem mais de cem doentes com fibromialgia. "Somos a unidade de dor no país que mais ozonoterapia faz, fazemos todos os dias. Também tratamos feridas crónicas dolorosas, sejam úlceras ou pé diabético. Doenças inflamatórias crónicas, como a artrite reumatoide, quando a dor não se controla com os fármacos e biológicos. Alguns doentes com esclerose múltipla. O fator predominante é a dor. O ozono não faz milagres, mas ajuda muito."
Célia Ferreira, 48 anos, sabe bem disso. Passou uma década a sofrer de dores inexplicáveis, fez uma série de exames, correu várias especialidades, até descobrir, há cerca de três anos, Dias da Costa, o médico que acabaria por lhe fazer o diagnóstico: fibromialgia. "Dormia muito mal, tinha uma sensibilidade extrema à dor, mas como os exames não acusavam nada, parecia tudo da minha cabeça." Não era. E a ozonoterapia surgiu como resposta imediata. "Ele falou-me deste tratamento, que eu desconhecia, ainda por cima disponível no SNS. É maravilhoso termos esta resposta aqui no Interior. Disse logo que sim, sobretudo porque o ozono não tem efeitos secundários, não havia riscos." Ao cabo de um primeiro tratamento de 12 sessões, por via endovenosa, notou logo melhorias. Hoje, recorre à ozonoterapia duas vezes por ano. "Isto ajudou imenso. Pelo que percebo, como permite uma regeneração dentro do organismo, ajuda em tudo o que possa causar inflamação. Senti verdadeiramente uma melhoria na minha vida, muitas vezes nem me conseguia mexer na cama com tantas dores, agora sinto muito menos cansaço, o sono melhorou. Sinto que voltei a ser eu."
Depois de descobrir a ozonoterapia, Célia falou com o médico de família sobre o assunto, "e ele não conhecia a técnica, ficou surpreso". "Disse-me que ia investigar, para ver se encaminhava outros doentes." Esse é, aliás, um dos problemas desta terapia. "A ozonoterapia não tem a aceitação pela comunidade médica que deveria ter. Pelo facto de os médicos a desconhecerem e porque a indústria farmacêutica não a vê com bons olhos. Porque é barato e não é rentável para a indústria. Há, aliás, muito poucos hospitais públicos a fazerem-no", critica Dias da Costa. Além do da Guarda, está disponível no Garcia de Orta, no Amadora-Sintra [ambos em Lisboa] ou no hospital de Setúbal, segundo José João Gonçalves. Mas, além do desconhecimento, o ortopedista, que foi presidente da Sociedade Portuguesa de Ozonoterapia até ao ano passado, diz que também há opositores à técnica. "Argumentam que o ozono é altamente tóxico, e é. Tem tudo a ver com as doses, a concentração. A nível médico usamos uma microdose. É um tratamento inócuo, todos usamos oxigénio todos os dias e o ozono está em todo o lado."
Na realidade, afirma, o tratamento "permite apenas dar um estímulo, ao administrar o ozono e o oxigénio, o resto é feito pelo corpo, que ativa mecanismos anti-inflamatórios, antioxidantes, de melhoria da vascularização periférica, de ativação do sistema imune, fundamentalmente relacionado com a cicatrização e regeneração celular e dos tecidos". "Tem um vasto campo de ação, isto é quase a pedra filosofal. Atualmente a dor é quase uma doença por si e há muitas causas para ela. Em ortopedia, se não fosse o ozono, não trataria múltiplas patologias que trato hoje. Doenças degenerativas, tendinites, artroses, doenças relacionadas com a rigidez das articulações. Porém, claro que há casos que só se resolvem com cirurgia." Mas há uma área em que resulta sempre, garante: "Na dor. Melhora muito".