Pai aos 50
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Como é que eu vou ensinar a parcimónia ao meu filho? Eis um dilema que se põe a todos os que de nós nasceram na escassez. Quase todos. Fomos criados a desejar: é demasiado difícil, de repente, pormo-nos na posição de ensinar a conter o desejo. A domesticá-lo. A erodi-lo.
Ou então sou só eu mesmo. Sempre fui gastador, a verdade é essa. Mesmo hoje, que tenho uma empresa, preciso de me esforçar para não pensar em simplesmente cumprir os compromissos, desde que tudo mais seja exultante: o significado do que se faz, a resposta do público, o nosso gozo. É como se, não me empenhando em pensar nisso, logo me esquecesse de que depois chega um mês mau, ou uma máquina avariada, ou a indisponibilidade de algum de nós – sei lá, uma doença, uma gravidez – e nem a sobrevivência se possa dar por assegurada.
Talvez explique, em parte, pelo facto de o dinheiro, enquanto objecto – enquanto ideal –, me parecer tão árido e desinteressante. Mas o principal é isso: toda a vida suspirei por aquilo em que poderia convertê-lo. Toda a vida, se quis tê-lo, foi para o trocar o mais depressa possível por outra coisa: um objecto, uma memória, uma sensação. E a questão é que o Artur nasceu num tempo em que, à partida, urge pensar de maneira diferente. Da maneira oposta.
Com certeza a Marta, que já nem millennial é bem, pode fazer muito mais por essa educação do que eu. Acompanhei os seus últimos anos enquanto jovem académica brilhante e condenada: tudo nela, como nos da geração dela, eram expedientes de mitigação da escassez. Mesmo os que – como talvez até seja o seu caso – cresceram em clãs mais confortáveis: podia dizer-se tudo do seu futuro, menos que estava em aberto. Na melhor das hipóteses, poderiam ampliar o pecúlio da família. Mais provavelmente, teriam de gastá-lo. Com um pouco de azar, já nem pecúlio existiria.
Tiveram muito azar, sobretudo comparados connosco. Nós fizemo-nos gente e afirmámo-nos na vida numa altura em que o capitalismo se persuadia a deixar circular um pouco o valor, a ver até onde poderiam ir esses de cuja força de trabalho precisava. Eles concluíram um monte de cursos e adiaram o que puderam a tentativa de independência porque temiam – porque sabiam – que o capitalismo, bem estudadas as veleidades do adversário e o que fazer com elas, não a autorizaria.
E não deixa de ser triste pensar que, quanto aos recursos, e às expectativas, e ao próprio poder – quanto àquilo a que se pode aspirar no mundo e esperar da maioridade –, apenas eles estejam realmente em condições de educar, a não ser que nós os imitemos. A grande ironia é essa: convenceram-nos de que isto ainda tinha de piorar antes de melhorar, mas entretanto nunca mais deu a volta.
O autor escreve de acordo com a anterior ortografia