"Pai aos 50" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Joel Neto.
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Um menino de dois anos a nadar com as suas braçadeiras no mar fundo do Cais da Silveira é talvez a coisa mais adorável que eu vi. Vejo-a desde a adolescência, atónito com a coragem, enternecido com a inconsciência e a alegria. Mas agora é o meu próprio filho. Posta-se à borda da sapata inferior do cais grande, ao lado das escadinhas contra as quais a ondulação investe sem convicção, e assim que eu me aproximo deixa-se pousar no mar, começando a mexer as perninhas com toda a força quando ainda nem atingiu a água.
Ter um filho explicou-me as razões por que tanta gente é obcecada com o fim-de-semana, paixão que em tantos outros momentos na vida julguei - no fundo, julguei - um pouco provinciana. Hoje vou passear os cães com o Artur, ou andar de bicicleta, ou jogar golfe, ou então passamos duas horas a ler esparramados na rede do pagode, ou a jogar à bola no jardim, ou a ver o "Monstros: A Universidade", ou a "cantar os animais" do Carlos Alberto Moniz, e a primeira coisa que me ocorre lamentar é que não possa fazer a exacta mesma coisa no dia seguinte.
Tudo isso me diverte e comove. O meu bebé guiando o Gauguin e a Colette, equilibrando-se na sua bicicleta com rodinhas, arqueando o seu swing espontâneo, já tão mais natural e melhor do que o meu, inventando-me uma história a partir das imagens que acompanham textos que não sabe ler, dando uma biqueirada com o seu pé esquerdo-canhão, repetindo falas inteiras do Mike Wazowski e do Sullivan ("do Suleyman", como ele adoravelmente diz), cantando a letra completa da Baía dos Golfinhos - cada momento na companhia dele parece a prova de que Deus afinal existe e nem sequer está assim tão zangado comigo.
Somos capazes de ficar dez minutos aos berros um com o outro:
- Quietinho, Mike Wazowski!
- Eu não sou o Mike Wazowski. Eu sou o Suleyman!
- Não, tu és o Mike Wazowski. Eu é que sou o Sullivan.
- Eu sou o Suleyman! Tu és o Mike Wazowski!
- Não, tu é que és o Mike Wazowski.
- Nããããão! Sou o Suleyman!
- Mike Wazowski.
- Suleyman!
- Mike Wazowski.
- Suleymaaaaan!
E tem sempre exactamente a mesma graça para ambos.
Mas nada como aquelas perninhas movendo-se como loucas no Cais da Silveira, a carinha tremendo de excitação e deleite, os dentinhos cerrados como que tiritando, as braçadeiras amarelas arredondando-se nas ondas da praia da minha juventude, onde íamos submeter a nossa candidatura ao estatuto de fixes e ao direito a existir. Nenhum de nós alguma vez foi tão fixe como os nossos filhos, aos dois anos, nadando com as suas braçadeiras seis ou sete metros acima do fundo naquela água espessa e escura. Nós éramos apenas os tolos que se empurravam na sapata do meio, chateando toda a gente, e agora chegamos a querer ver adiado, o mais possível, que sejam eles os próximos tontos a empurrar-se uns aos outros.