A vida como ela é
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Não sei quando, nem que meio de comunicação social avançou com a ideia peregrina de dar pontuação aos debates políticos em período de campanha eleitoral. No início da semana, Pedro Santana Lopes, em espaço de comentário de um canal televisivo, chamou a atenção para esta questão, dizendo que as notas se dão na faculdade e que já o fez quando era professor, recusando educadamente entrar neste jogo. Os debates servem para cada candidato expor as suas convicções e explicar quais as medidas que pretende concretizar em caso de vitória, o que resulta quase sempre em um confronto direto de ideias. Ora a dialética não vem, pelo menos em nenhum dicionário que eu conheça, nem como sinónimo, nem equiparada a uma luta de ringue, sujeito a um ou mais árbitros, com pontuações e ‘rounds’. A soberba por parte da imprensa em dar notas de 1 a 10 às intervenções dos políticos pouco contribui para a saúde de um Estado democrático, pois encerra um juízo de valor que quantifica um desempenho específico. O que faz é deitar mais achas para a fogueira, alimentando a crescente mentalidade populista.
O que está em causa é a eleição de um novo Executivo que, se tudo correr bem, irá governar Portugal durante os próximos anos, e não o Campeonato Mundial de Patinagem Artística onde um conjunto de juízes atribui aos concorrentes dois tipos de nota, a técnica e a artística, procurando assim o equilíbrio em uma avaliação tão justa e tão objetiva quanto possível.
Não é a primeira vez que assinalo nesta crónica a linha ténue entre informação e comentário que tem assolado vários meios de comunicação. Esta questão foi aliás tema de um relatório da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) publicado a 7 de fevereiro de 2025, depois de analisar 140 edições de blocos informativos com 3952 peças jornalísticas da RTP1, RTP2, SIC, TVI e CMTV, num total de 170 horas, 28 minutos e 53 segundos de emissão. Aqui ficam alguns excertos das conclusões. “Neste relatório, a ERC destaca como característica comum a todos os noticiários a tendência de inserção de espaços de comentários nos alinhamentos devidamente demarcados, como opinião (…)”, acrescentando que: “Porém, detetou-se a hibridização entre informação e opinião em certos casos que desafiam a delimitação clara da natureza do conteúdo emitido, o que merece reflexão”. Nada que os espectadores mais atentos e críticos não tenham percecionado, mas é sempre bom ter o reforço institucional em relação a uma questão do mais elementar bom senso.
Espelho desta realidade é o tempo dado ao comentário sobre cada debate, que ultrapassa em muito o tempo do próprio, onde uma legião de comentadores aproveita para “achar” muitas coisas. Há uns dias, fiz o ingrato exercício de começar a contar num destes espaços, que se prolongam no tempo à velha maneira dos épicos do cinema como “Ben-Hur”, quantas vezes os comentadores disseram a frase “Eu acho”. Foram tantas em tão pouco tempo, que dei por mim a pensar que o meu tempo seria mais bem empregue na cozinha a fazer panquecas de aveia com ovo e banana com pepitas de chocolate.
A campanha eleitoral faz-se cada vez mais sob gelo fino, cabe à comunicação social procurar o máximo de equilíbrio e de isenção, dando mais espaço à informação e menos ao comentário, ou estamos condenados a ser um país de treinadores de bancada na patinagem, no futebol e na política.