Steve McCurry: “Eu quero ver a coisa real. Não quero ver uma imagem de IA”
Há 50 anos que Steve McCurry percorre o Mundo para nos mostrar conflitos e tragédias, mas também tradições e culturas distantes. Mesmo quem não acompanha fotojornalismo ou fotografia documental, conhecerá a emblemática capa da National Geographic com uma menina afegã de olhos verdes publicada em junho de 1985.
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Se, para o grande público, talvez o nome Steve McCurry possa ser largamente desconhecido, entre os fãs de fotografia, será o mais parecido que há com uma estrela de rock. Num evento com centenas de fotógrafos profissionais e amadores, está sempre a ser solicitado para mais uma conversa, mais um autógrafo e, como não podia deixar de ser, mais uma selfie. Aos 75 anos, este contador de histórias reconhece os desafios da inteligência artificial (IA), mas continua a fotografar e com vontade de aproveitar o tempo que lhe resta, não se amedrontando com as mudanças que a tecnologia trouxe a quem imortaliza o real em imagens. Porque há coisas que só um humano consegue concretizar.
Tenho-o visto por aí rodeado de fãs. Gosta deste contacto com o público?
Bem, o verdadeiro teste surge quando tentas fazer uma reserva num restaurante ou apanhar um táxi. E, de repente, és igual aos outros. Ficamos sempre gratos pelas pessoas que apreciam o nosso trabalho e olham para as nossas fotografias. Esse reconhecimento faz-te sentir humilde e grato, mas tens de ser realista: fora do mundo da fotografia ou de uma bolha muito pequena, a vida é bastante normal.
Hoje em dia, vivemos num mundo em que toda a gente tira fotografias com o telemóvel e comunica com imagens. Encara isto como uma valorização ou uma banalização da fotografia?
Com estes telefones, há muita gente a enviar mensagens, muitas palavras a circular. Mas isso não quer dizer que se trate de uma grande literatura, uma grande poesia. Haverá biliões, triliões de imagens a circular. O mesmo se passa com o streaming de música, mas acho que ainda há um grupo de pessoas que se interessa por poesia, boa música e boa literatura. Espero que as imagens que fazemos sejam apreciadas. Mas tem razão, há muito barulho por aí, e vamos ter de lidar com isso.
Não considera que pode haver uma subvalorização do trabalho de um fotojornalista ou fotógrafo documental?
Pode crer. É um risco. É sair e trabalhar sem o apoio de um contrato, de uma publicação ou do que quer que seja. Sair por conta própria, porque agora, se quiseres ser um fotógrafo documental, há muito poucas revistas que apoiam esse trabalho, ao contrário do que acontecia quando eu estava a começar, em que havia revistas que te davam muitos trabalhos. Muito disso desapareceu, por isso, por exemplo, se quiseres ir à Ucrânia, é muito difícil arranjar alguém que pague a tua viagem, que pague o teu trabalho, que queira publicar as tuas fotografias. Mesmo que sejas um fotógrafo de sucesso, continua a ser difícil conseguir alguém que te apoie. Hoje, é muito diferente do que era quando eu estava a começar. É difícil conseguir que o teu trabalho seja visto. Podes publicar as tuas próprias fotografias, ter o teu próprio site e tudo isso. Acho que se fores persistente, extremamente trabalhador, acabarás por conseguir. Mas é um risco. Quero dizer, a vida está cheia de riscos e muitas pessoas trabalham arduamente, mas não há garantias de sucesso.
Esteve na Ucrânia. Foi um trabalho que lhe pediram?
Estive lá há uns anos. Estive lá sozinho. Paguei a minha viagem. Fui para lá sem ninguém me pedir. A beleza de ires sozinho é que não há prazos. Não há uma “lista de compras”, não há requisitos, não há expectativas, ninguém te diz para fotografar isto, para ires a algum sítio e saíres ou ficares. Por isso, és livre de decidir como queres gerir o teu tempo.
É assim que se mantém relevante neste mundo em que toda a gente tira fotografias?
Bem, tenho um grande arquivo. Posso publicar livros e fazer exposições. E, se for à Ucrânia, posso sempre tirar algumas dessas fotografias e colocá-las num livro ou numa exposição. Assim, aumenta a massa crítica do meu trabalho. Posso fazer com que as fotografias sejam vistas, e publicadas, com base nos meus livros e exposições pessoais.
Tem o passado, os mais de 40 anos de trabalho...
Ajuda-te a ser visto e a conseguir que possas fazer o que quiseres. Quando chegas a uma certa idade, é importante que passes muito tempo a fazer o que é relevante para ti e algo que tenha valor, para que deixes algum tipo de legado, porque o tempo é curto e tens de fazer com que o teu tempo conte. Quando tinha 30 anos, fazia todo o tipo de trabalhos que não eram assim tão interessantes, porque precisava de o fazer. Fiz muitos. Fiz centenas deles. Mas agora estou menos interessado em perder o meu tempo, porque não há assim tanto tempo. Bem, nenhum de nós tem assim tanto tempo, mas quando chegas a uma certa idade, apercebes-te que o tempo é curto.
Continua a querer tirar fotografias, a estar na rua?
Todos os dias. A toda a hora.
Tem algum projeto em curso?
Faço muitas coisas. Estou a trabalhar em alguns livros, a fazer alguns workshops, trabalhos de publicidade e projetos pessoais. Por isso, sim.
Ainda há espaço para esse ponto de vista personalizado?
Bem, essa é a única razão para fazer este trabalho. É o meu ponto de vista, sair e ver o mundo à minha maneira, responder ao que ele me traz. É a alegria de sair e tirar fotografias de coisas que te impressionam, que te excitam e que são interessantes. Não saio todos os dias. Mas saio o suficiente para trabalhar.
Alguma vez experimentou trabalhar com um smartphone para fazer um projeto longo?
Não. Não. Já usei o meu telemóvel para certas coisas e cheguei a publicar fotografias a partir do telemóvel. Mas não é uma solução realmente satisfatória para o trabalho que me interessa. É bom para certas coisas, mas não quando se trata de trabalho sério para mim.
Mas seria útil ter um pequeno smartphone em certas situações em que tem de ser quase invisível?
Faço isso com a minha Leica. Estou aqui, sou tão grande, que não preciso de me esconder atrás disto [finge que tira uma fotografia discretamente com o telemóvel]. E eu não tenho de me esconder atrás disto. Na verdade, não trabalho dessa forma. Normalmente, chego e anuncio-me.
A imersão no real é o método que usa?
Sim, um pouco. Não estou a fotografar escondido com a minha câmara. As pessoas sabem que estou lá.
Costuma passar muito tempo com as pessoas que está a fotografar?
Não diria [que o faço] muitas vezes. Depende de cada caso. Não creio que haja uma correlação entre o tempo que passas com alguém e a qualidade do retrato. É possível reconheceres algo em alguém, teres uma ligação e uma química e fazeres um retrato muito rapidamente. Se eu passasse uma hora com essa pessoa, não sei se o retrato seria melhor do que essa primeira reação.
As novas possibilidades da IA preocupam-no? Posso pedir a um dos serviços de IA uma foto de qualquer coisa e o grande público terá dificuldade em distingui-la de algo real.
Vou dar-lhe um dos meus exemplos, que não sei se é assim tão exato: há alguns colunistas que leio no jornal e dos quais adoro saber os seus pontos de vista e opiniões, por aquilo que eles são e porque sei quem são. Interessa-me a IA, mas por muito inteligente que seja ou por muito boa que seja a análise da máquina sobre algum assunto, até que ponto é verdadeira? Nesta área, se fores um artista especializado em IA, ótimo. Não há problema. Podes fazer o que quiseres. Não há regras. Mas, para a fotografia documental, importa o comportamento humano, a condição humana, a forma como nos relacionamos uns com os outros. Não há espaço para a IA. Quero ver a verdade real do que um fotógrafo pode fazer. De preferência alguém que eu conheça e em quem possa confiar. Não vejo como a IA se encaixa nesse mundo do trabalho documental. Publicidade, ok. Fotografia de comida, fotografia de mesa ou algo do género... Mas nem sequer para alguém especializado em flores. Não, não, eu quero ver a coisa real. Não quero ver uma imagem de IA.
Alguma vez brincou com pedidos a um sistema de IA?
Não, não, não. As pessoas enviaram-me, sabe, fotografias ao estilo do Steve McCurry. É isso, é engraçado. É interessante.
Pedi uma fotografia “estilo McCurry”, mas não gostei do resultado.
Vou usar novamente um exemplo: imagine que o Joel Meyerowitz [fotógrafo americano] vai a Londres e faz um ensaio fotográfico sobre Piccadilly Circus. Quero ver como ele o vê, os erros. Só quero ver como ele o vê. Como é que ele fotografa aquele assunto. Não me interessa o que a IA, por mais belo que fosse, poderia fazer. Não tem nenhum interesse. Olharia para ela e pensaria: bem, é engraçado como tudo é perfeito. Mas não tem lugar no mundo real, no comportamento humano.
O importante é a ligação com outro ser humano?
A tua observação, a tua curiosidade, estás a andar pela rua e estás a reparar no que te rodeia, estás a ver coisas. Estou a dar um passeio pela rua. A vida é boa e eu conheço a rua, mas vou tentar olhar para ela de uma forma nova e apreciar o facto de poder andar na rua e depois ver como respondo a tudo o que acontece. Portanto, há um prazer e uma diversão neste tipo de deambulação e exploração. Não tem nada que ver com o computador e com o facto de se estar a introduzir comandos: “preciso de uma luz perfeita aqui, boom, boom, boom”, ou algo do género.
A fotografia é melhor quando é imperfeita?
Beleza e a imperfeição. É algo como a filosofia japonesa “wabi-sabi”: abraça a imperfeição.
Mesmo com a evolução técnica, a fotografia manterá esta essência daqui a dez ou 20 anos?
Imagina uma câmara que magicamente coloca a distância focal no ponto e que nunca tens de ajustar a luz. Está tudo lá, seja o que for. Para mim, é ótimo, mas, no final, a visão é mesmo tua. A câmara não te pode dizer para onde apontar, quando apontar ou para quem apontar a tua máquina. Pode ajudar na capacidade de o fazer de uma forma melhor, mas não pode decidir o fundo, a expressão ou em que momento é que o retrato vai ser feito.
Continua a querer tirar fotografias, a estar na rua?
Todos os dias. A toda a hora.
Tem algum projeto em curso?
Faço muitas coisas. Estou a trabalhar em alguns livros, a fazer alguns workshops, trabalhos de publicidade e projetos pessoais. Por isso, sim.
Ainda há espaço para esse ponto de vista personalizado?
Bem, essa é a única razão para fazer este trabalho. É o meu ponto de vista, sair e ver o mundo à minha maneira, responder ao que ele me traz. É a alegria de sair e tirar fotografias de coisas que te impressionam, que te excitam e que são interessantes. Não saio todos os dias. Mas saio o suficiente para trabalhar.
Alguma vez experimentou trabalhar com um smartphone para fazer um projeto longo?
Não. Não. Já usei o meu telemóvel para certas coisas e cheguei a publicar fotografias a partir do telemóvel. Mas não é uma solução realmente satisfatória para o trabalho que me interessa. É bom para certas coisas, mas não quando se trata de trabalho sério para mim.
Mas seria útil ter um pequeno smartphone em certas situações em que tem de ser quase invisível?
Faço isso com a minha Leica. Estou aqui, sou tão grande, que não preciso de me esconder atrás disto [finge que tira uma fotografia discretamente com o telemóvel]. E eu não tenho de me esconder atrás disto. Na verdade, não trabalho dessa forma. Normalmente, chego e anuncio-me.
A imersão no real é o método que usa?
Sim, um pouco. Não estou a fotografar escondido com a minha câmara. As pessoas sabem que estou lá.
Costuma passar muito tempo com as pessoas que está a fotografar?
Não diria [que o faço] muitas vezes. Depende de cada caso. Não creio que haja uma correlação entre o tempo que passas com alguém e a qualidade do retrato. É possível reconheceres algo em alguém, teres uma ligação e uma química e fazeres um retrato muito rapidamente. Se eu passasse uma hora com essa pessoa, não sei se o retrato seria melhor do que essa primeira reação.
As novas possibilidades da IA preocupam-no? Posso pedir a um dos serviços de IA uma foto de qualquer coisa e o grande público terá dificuldade em distingui-la de algo real.
Vou dar-lhe um dos meus exemplos, que não sei se é assim tão exato: há alguns colunistas que leio no jornal e dos quais adoro saber os seus pontos de vista e opiniões, por aquilo que eles são e porque sei quem são. Interessa-me a IA, mas por muito inteligente que seja ou por muito boa que seja a análise da máquina sobre algum assunto, até que ponto é verdadeira? Nesta área, se fores um artista especializado em IA, ótimo. Não há problema. Podes fazer o que quiseres. Não há regras. Mas, para a fotografia documental, importa o comportamento humano, a condição humana, a forma como nos relacionamos uns com os outros. Não há espaço para a IA. Quero ver a verdade real do que um fotógrafo pode fazer. De preferência alguém que eu conheça e em quem possa confiar. Não vejo como a IA se encaixa nesse mundo do trabalho documental. Publicidade, ok. Fotografia de comida, fotografia de mesa ou algo do género... Mas nem sequer para alguém especializado em flores. Não, não, eu quero ver a coisa real. Não quero ver uma imagem de IA.
Alguma vez brincou com pedidos a um sistema de IA?
Não, não, não. As pessoas enviaram-me, sabe, fotografias ao estilo do Steve McCurry. É isso, é engraçado. É interessante.
Pedi uma fotografia “estilo McCurry”, mas não gostei do resultado.
Vou usar novamente um exemplo: imagine que o Joel Meyerowitz [fotógrafo americano] vai a Londres e faz um ensaio fotográfico sobre Piccadilly Circus. Quero ver como ele o vê, os erros. Só quero ver como ele o vê. Como é que ele fotografa aquele assunto. Não me interessa o que a IA, por mais belo que fosse, poderia fazer. Não tem nenhum interesse. Olharia para ela e pensaria: bem, é engraçado como tudo é perfeito. Mas não tem lugar no mundo real, no comportamento humano.
O importante é a ligação com outro ser humano?
A tua observação, a tua curiosidade, estás a andar pela rua e estás a reparar no que te rodeia, estás a ver coisas. Estou a dar um passeio pela rua. A vida é boa e eu conheço a rua, mas vou tentar olhar para ela de uma forma nova e apreciar o facto de poder andar na rua e depois ver como respondo a tudo o que acontece. Portanto, há um prazer e uma diversão neste tipo de deambulação e exploração. Não tem nada que ver com o computador e com o facto de se estar a introduzir comandos: “preciso de uma luz perfeita aqui, boom, boom, boom”, ou algo do género.
A fotografia é melhor quando é imperfeita?
Beleza e a imperfeição. É algo como a filosofia japonesa “wabi-sabi”: abraça a imperfeição.
Mesmo com a evolução técnica, a fotografia manterá esta essência daqui a dez ou 20 anos?
Imagina uma câmara que magicamente coloca a distância focal no ponto e que nunca tens de ajustar a luz. Está tudo lá, seja o que for. Para mim, é ótimo, mas, no final, a visão é mesmo tua. A câmara não te pode dizer para onde apontar, quando apontar ou para quem apontar a tua máquina. Pode ajudar na capacidade de o fazer de uma forma melhor, mas não pode decidir o fundo, a expressão ou em que momento é que o retrato vai ser feito.