Chás-revelação, sessões fotográficas para recém-nascidos, espreguiçadeiras personalizadas, spas para bebés e crianças, workshops, festas de anos cada vez mais refinadas, réplicas de carros de luxo, robôs com inteligência emocional. A variedade de produtos e atividades para os mais pequenos segue em crescendo.
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Quando, em 2020, Joana Sousa Silva, de 36 anos, engravidou pela primeira vez, dedicou horas sem-fim a decifrar o mercado de produtos para bebé, a consultar listas de artigos “indispensáveis” para a maternidade, a visitar lojas, a ver vídeos de influencers, a fazer, ela própria, uma lista de tudo o que precisava de comprar. Ainda hoje a guarda. Entre as várias categorias que definiu – puericultura, higiene, têxtil, transporte, tecnologias, acessórios, mobiliário, entre outras –, foram mais de 60 artigos. Dos mais rotineiros, como o carrinho de bebé, a cadeira de alimentação ou a banheira, aos mais específicos, como esterilizadores de biberões e chupetas, uma espreguiçadeira, um parque, um “ginásio”, um “ninho”. O “baby shower” que organizou com amigos e familiares foi uma ajuda importante, reconhece, o resto ela e o companheiro trataram de comprar. Ao todo, entre os presentes que receberam e os artigos que adquiriram, estima que o custo total tenha rondado os cinco mil euros. Numa visita a uma grande loja de artigos para bebés, no Porto, disseram-lhe até que devia comprar uma almofada específica, “com a inclinação perfeita”, para o bebé poder dormir em segurança. Custava perto de sessenta euros. Ela deixou-se convencer. Mas pouco a usou. Já o esterilizador de biberões não usou de todo. Muito menos o de chupetas. Nem sequer o parque, porque de cada vez que lá tentava pôr a filha a brincar, ela imediatamente desatava num pranto.
“Isto hoje em dia há uma panóplia de coisas tal que até é difícil selecionar e perceber efetivamente o que é mesmo preciso. Fazem-nos crer que precisamos de tudo e depois percebemos que não é bem assim. Acabámos por comprar várias coisas que foram completamente inúteis, porque isto depois também varia muito de criança para criança. E, pela minha experiência, quanto mais simples melhor. Na altura, a minha irmã ofereceu-me uma espreguiçadeira daquelas que dão para balançar, mas tentava pôr lá a miúda e ela não queria. Muitas vezes, como queremos o melhor possível para os nossos filhos, também acabamos por ficar iludidos.” Mas a experiência tem as suas vantagens. Quando há cerca de um ano voltou a ser mãe, já sabia que havia artigos perfeitamente dispensáveis. Além de que tinha guardado tudo. E, portanto, a despesa foi significativamente menor. Já o espírito crítico tem vindo sempre a crescer. “Há um negócio enorme à volta de tudo o que envolve os bebés. É importante que as pessoas se informem bem, para saberem o que realmente precisam de comprar.”
A perceção de Joana Sousa Silva, mãe de dois, está em linha com os dados que há sobre este mercado. O último relatório da Euromonitor International sobre os produtos específicos para bebés e crianças, divulgado no mês passado, dava conta de que, em 2024, o valor das vendas de produtos específicos para bebés e crianças no nosso país aumentou. “Em grande parte devido à crescente sensibilização e atenção à saúde e bem-estar dos bebés”, acrescentava-se. De acordo com a Statista, plataforma global de dados e inteligência empresarial, a receita deste mercado deverá superar, em 2025, os oito milhões de euros. E as projeções apontam para uma taxa de crescimento anual de 2,42% até 2030. A tendência é transversal: o mercado global de produtos para bebés foi avaliado em 375,9 mil milhões de dólares (mais de 330 milhões de euros) em 2024 e é esperado que atinja os 611,4 mil milhões em 2033. Quase o dobro, portanto. Nestes números, incluem-se desde comida para bebé ao leite de lata, passando pelas fraldas, o vestuário, os brinquedos, os artigos de higiene e equipamentos como carrinhos de bebé, cadeiras de automóvel e berços. A título de curiosidade, as famílias americanas em que ambos os pais têm fonte de rendimento gastam anualmente entre 9300 e 23 380 dólares (entre oito e 21 mil euros) com os seus bebés.
O que em parte também se explica com uma variedade crescente de produtos, mais complexos, mais refinados, mais tecnológicos, eventualmente mais sustentáveis e orgânicos. Dos carrinhos 3-em-1 (carrinho, alcofa e cadeira auto), que facilmente ultrapassam os 900 euros, aos carrinhos de passeio leves e compatíveis com cabines de avião, que custam mais de 400, passando por berços convertíveis em camas, que podem ultrapassar os mil euros. Das espreguiçadeiras que oferecem diferentes padrões de movimento e melodias relaxantes, a troco de centenas de euros, à Elvie Rise, também uma espreguiçadeira, no caso controlada por uma aplicação que repete automaticamente as preferências de cada bebé e se pode transformar num berço assim que a cria adormece. Foi apresentada no início do ano em Las Vegas, nos EUA, e é o último grito da tecnologia. O preço? Setecentos euros. Nada comparado com os valores que se praticam no segmento de luxo, é certo. Desde biberões cobertos de ouro e diamantes, com preços que variam entre os 46 e os 200 mil euros, aos carrinhos de alta-costura – um inspirado nos carros Lamborghini ultrapassa os 4600 euros, um Dior ronda os 7000, um carrinho de ouro e diamantes, considerado o mais caro do Mundo, pode custar mais de cem mil euros. Há até berços de ouro (literalmente) e cavalos de balanço igualmente feitos de ouro, como o que Beyoncé e Jay-Z terão comprado para a filha, por quase meio milhão de euros.
Sofia Kousi, professora de marketing na Nova SBE, lembra a propósito que “há vários mercados de produtos e serviços para adultos que estão atualmente saturados”, pelo que os negócios tendem a procurar “oportunidades de crescimento em segmentos que estão menos desenvolvidos, como o das crianças e ainda mais o dos seniores”. E o segmento de luxo é, porventura, o melhor exemplo disso. “Está particularmente saturado e as marcas estão constantemente à procura de maneiras de expandir a sua base de clientes. Logo, expandir para um segmento diferente, como o infantil, é algo natural. Para o consumidor de luxo, ter acesso a uma fragrância para bebés, como a que a Dior lançou em 2023, é uma introdução bem-vinda, porque querem proporcionar aos filhos o mesmo nível de conforto que eles próprios têm.”
Mas voltemos ao comum dos mortais. Além de mais refinados, há produtos cada vez mais criativos. Nalguns casos, é até difícil descortinar-lhes uma real utilidade. É o caso da roupa para bebé com espanadores para limpar a casa, de alarmes para fraldas que dão sinal quando é a hora de a mudar ou dos bebedouros para colocar nos berços. E o que dizer de peluches que abraçam os bebés e lhes vão dando palmadas no rabinho, com a promessa de que assim os pequenos dormirão uma bela noite de sono, longe da cama dos pais? É todo um mundo. Sofia Kousi deixa uma ressalva. “O conceito de um produto ou serviço ser ‘útil’ ou desejável é relativo, depende do público-alvo. O que parece inútil para mim, pode ser um deleite para outra pessoa.” E sim, há pontos positivos neste crescimento acelerado. “Algumas inovações são realmente muito boas – aquelas que oferecem recursos de segurança (verdadeiramente) aprimorados, um valor nutricional melhorado, que tornam os brinquedos mais envolventes e educativos usando a tecnologia, as plataformas de aprendizagem que são mais inclusivas para todos os tipos de crianças ou os produtos feitos com materiais mais sustentáveis.”
Para lá dos produtos, há todo um rol de serviços e atividades que se multiplicam, dos mais utilitários aos que são mera questão de ócio, dos mais culturais aos mais pedagógicos: consultoria de sono (para bebés) – com preços que começam nos 50 euros por sessão e podem chegar aos 300, no caso de um plano de quatro consultas, com acompanhamento exclusivo via WhatsApp –, spas para bebés (disponibilizam serviços de flutuação em banheiras individuais, estímulos vários e massagens, com valores que vão dos 50 aos 90 euros), pilates e ioga para os mais pequenos. Além das sessões fotográficas para recém-nascidos, hoje muito em voga, que começam nos cem euros e podem rondar os 500. E de um leque enormíssimo de workshops para pais, sobre primeiros socorros, sobre o sono do bebé, sobre introdução alimentar, sobre lavagem nasal, sobre babywearing – o conceito relacionado com o transporte de um bebé ao colo, seja com um marsúpio ou um pano. Os preços chegam aos 50 euros.
Na verdade, o vasto leque de ofertas em torno da maternidade começa ainda durante a gravidez. Uma breve pesquisa num motor de busca basta para encontrar várias empresas que, entre vários eventos que organizam, se dedicam também aos chás de bebé e, mais recentemente, aos chás-revelação – uma festa organizada durante a gravidez para revelar o sexo do bebé aos pais e aos convidados. Em ambas as situações, e no caso de se tratar de um produto “chave na mão”, com set de decoração e catering incluídos, o preço ascende a várias centenas de euros. Ainda mais recente, e mais dirigido a um segmento de luxo, é o conceito de “bem-vindo maternidade”, uma espécie de celebração do nascimento do bebé, que pode ocorrer tanto no hospital como em casa, e que inclui desde decoração personalizada a lembranças para os visitantes e fotógrafo profissional. Neste caso, o preço pode rondar os três mil euros.
FOMO e pressão social
Fernando Santos, professor de marketing no IPAM Porto, compara a predisposição dos pais para gastar balúrdios em que tudo o que envolva a chegada de um filho ao fenómeno dos casamentos. “São momentos tão especiais, em que as pessoas estão tão envolvidas, que têm lógicas próprias e motivam um comportamento tão consumidor. Os pais acabam por estar tão envolvidos que têm uma sensibilidade acrescida e uma predisposição para agir.” Mas o potencial deste mercado não se esgota nos bebés. Também no caso de crianças a partir dos dois anos, o leque de produtos e atividades oferecidos segue em crescendo. Maria Oliveira, gaiense de 36 anos, é testemunha disso. O filho, de cinco, anda num colégio privado. Por ser na periferia de Gaia, não é dos mais caros. Paga 300 euros por mês. Mas depois há todas as atividades extra. Da natação são 50 euros, do ténis são 24, do xadrez mais 20. E ainda o futebol: como só treina uma vez por semana, e ainda não entra em competições (por decisão dos pais), a mensalidade fica-se pelos 35 euros. Só em atividades são, portanto, 129 euros. Um “investimento” pleno de intenção. “Temos noção que estes primeiros anos de vida são muito importantes para a definição da personalidade deles e para o desenvolvimento de várias competências. E portanto, uma vez que podemos, gostamos de lhe proporcionar a possibilidade de fazer atividades diversificadas. Algumas é ele que escolhe, como é o caso do futebol, outras somos nós que forçamos, porque achamos que são estímulos importantes.”
De resto, pelo que vai vendo à volta, parece-lhe que “é cada vez mais normal os miúdos desde cedo já participarem numa série de atividades”. O que também cria uma espécie de efeito em cadeia. “Diria que há uma espécie de FOMO [Fear of Missing Out – traduzindo, o medo de perder alguma coisa], até porque nós, enquanto pais, também pomos pressão a nós próprios, no sentido de sermos o mais perfeitos possível, de darmos aos nossos filhos as melhores vivências.” Depois, lembra, ainda há “todo um mar de coisas de fim de semana, desde espetáculos a workshops a atividades mais culturais”. “Há imensa oferta, logo desde bebés, e nas redes sociais estamos constantemente a ser bombardeados com informação. É tanta coisa que não dá para fazer tudo. E noto que muitas vezes estas atividades para crianças esgotam rapidamente, o que também induz uma certa pressa e uma certa pressão, porque não queremos que percam aquela oportunidade. A questão é que, se pensarmos bem, todos nós crescemos sem isso e crescemos bem.”
Beatriz Casais, professora de Marketing na Escola de Economia Gestão e Ciência Política da Universidade do Minho, recorda que “os pais têm hoje mais habilitações e estão mais despertos para as necessidades dos filhos”. “E, por isso, cresce a sensibilidade para os workshops de sustentabilidade, para as atividades desportivas, para a natação para bebés. A maior parte dos pais está hoje mais disposta a pagar por isso. Por outro lado, as crianças brincam cada vez menos na rua, estão mais fechadas dentro de casa, o que aumenta a necessidade de investir noutro tipo de soluções.”
“É tudo um estouro”
Para Manuel Martins, de 44 anos, pai de dois, com 10 e 16 anos, uma parte destas atividades não são sequer opção. Ao todo, entre ele e a esposa, entram em casa 2000 euros por mês, o que, nos tempos que correm, obriga a uma ginástica cuidada. Ainda mais porque “hoje em dia, para os miúdos poderem ter qualquer atividade desportiva, é preciso pagar”. O mais novo anda no futebol, são 40 euros por mês, mais um kit de equipamento e fato de treino que ronda os 300 euros. Além das chuteiras, que, por serem baratas, se estragam a cada dois meses. À parte disso, ainda há os torneios. Em breve, terão um no Algarve, de segunda a sexta. Mais 500 euros. Já a filha preferiu a dança. Outros 40 euros por mês. Fora os vestidos para os espetáculos, que andam entre os 200 e os 300 euros. Depois, ainda há o centro de estudos do mais novo: 180 euros. Uma necessidade porque, quando sai da escola, não tem para onde ir. Sendo que cada atividade fora do espaço é paga à parte. “É tudo um estouro. Só conseguimos porque temos pais, sogros, irmãos. Neste momento, estou a dever dinheiro aos meus pais.”
Há dois anos, um inquérito do Observatório Cetelem dava conta de que 59% dos pais planeavam inscrever os filhos em atividades extracurriculares e que previam gastar uma média de 71 euros por mês. As atividades desportivas surgiam destacadas (77%, seguidas da música e da dança). Acresce que 26% dos pais tencionavam investir em explicações para os filhos, 21% em cursos de línguas, 19% em centros de estudo. Os centros de estudo são outro exemplo de diversificação crescente: cresce o número de espaços que prometem projetos pedagógicos inovadores, com um caminho adaptado para cada aluno, ou até “ginásios” onde se exercita o raciocínio matemático. O preço médio anda entre os 100 e os 200 euros mensais. Depois, há ainda os colégios privados, com valores que começam nos 300 euros por mês e que, no caso das escolas internacionais, facilmente superam os mil.
Para lá das ofertas mais didáticas, o manancial de opções continua a ser vasto, com espaços de diversão cada vez mais elaborados. Desde locais onde é possível “brincar aos adultos” e experimentar dezenas de profissões, numa cidade em ponto pequeno – é o que acontece na KidZania, em Lisboa, que recebe uma média anual de 240 mil visitantes, com o preço dos bilhetes a oscilar entre os 10 euros para adultos e os 23,50 euros para crianças a partir dos cinco anos –, aos parques aventura que se vão multiplicando (12 a 18 euros por hora), passando pelos spas infantis, que podem incluir massagens, pintura das unhas das mãos e dos pés, até desfiles. Regra geral, o preço por uma hora é superior a 20 euros. Multiplicam-se também os espaços de laser tag – o custo ronda os 25 euros por hora – ou os simuladores de voo, com preços que começam nos 50 euros e podem ir até várias centenas de euros, consoante o detalhe e a duração da experiência. E a lista poderia facilmente continuar.
Este ramo do mercado infantil está intimamente ligado a outro negócio exclusivamente virado para as crianças: o das festas de aniversário. Os preços começam nos 12 euros por cada criança convidada, mas, consoante o menu e as condições, podem ultrapassar os 30. Maria Oliveira, a gaiense de 36 anos que investe perto de 130 euros por mês em atividades extracurriculares para o filho, admite que se trata de um ecossistema muito próprio. “As festas de anos começam cada vez mais cedo e cada vez mais se opta por fazer em parques de diversão que não são baratos. Depois, entre os pais, há uma certa pressão social, porque ninguém quer ficar atrás.” Beatriz Casais, da Universidade do Minho, corrobora este ponto. “Os pais querem muito ser bons pais e bons profissionais e tem de se mostrar que se tem sucesso em tudo. Pensam que se puserem os filhos no melhor colégio, se lhes derem os melhores brinquedos, se lhes derem as melhores condições para serem bem-sucedidos, não irão falhar. E depois entra aqui a tal pressão social, exponenciada pelo efeito das redes e do digital, que aumenta a necessidade de as pessoas sentirem que têm retorno social, com base no que publicam nas redes.” Há ainda os campos e atividades de férias, com preços e experiências para todos os gostos: da Universidade Júnior aos Centros Ciência Viva, do parque DiverLanhoso ao Oceanário de Lisboa, dos campos de férias desportivos organizados pelos grandes clubes aos mais exclusivos, promovidos por colégios e escolas internacionais, que chegam a custar quatro mil euros.