Consultório de Sustentabilidade, por Joana Guerra Tadeu, ativista pela justiça climática e autora de "Ambientalista Imperfeita"
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Já perdi a conta aos copos reutilizáveis que tenho acumulados em casa. Esta medida dos copos faz mesmo sentido, ecologicamente?
Luís Rodrigues, pergunta recebida por email
Os copos “reutilizáveis” tornaram-se o símbolo oficial da consciência ambiental burguesa em festas e festivais. Espessos, coloridos, com designs engraçados e logótipos de patrocinadores “verdes” são vendidos como solução ecológica, mas a maioria não volta a ser usada. Sem um sistema de devolução, lavagem e reaproveitamento, o que temos é lixo de luxo.
Um copo reutilizável consome mais energia e materiais para ser produzido do que um descartável. Para compensar esse impacto, tem de ser usado entre seis e 25 vezes. Que percentagem de festivaleiros bebe seis cervejas numa noite? Quem reutiliza o mesmo copo 25 vezes? Quantos arraiais o deixaram usar o copo do ano anterior? Experimentou, sequer? Um copo não se reutiliza sozinho.
Na prática, colecionamos copos que ficam a apanhar pó em casa ou vão diretos para o lixo, depois de pagarmos por um “eco” que não ecoa nada, e chamamos a isso sustentabilidade. Há eventos onde o copo custa mais do que a cerveja!
Mas a responsabilidade não pode cair sobre o consumidor que não anda com o mesmo copo no bolso desde 2019, ano em que Lisboa proibiu servir bebidas em copos descartáveis no espaço público. Quatro anos depois, esses copos continuam a ser usados em muitos arraiais, inclusive em alguns com apoio da própria Câmara. A legislação nacional tem falhas, a fiscalização é fraca e as exceções legais mantêm o descartável na festa, mesmo quando está tecnicamente banido.
Muitos sítios recusam copos que não sejam “os deles”, obrigando-nos a comprar mais. A maioria não aceita devoluções para lavagem e reutilização, colocando todo o peso financeiro e logístico do lado do consumidor. Se só posso usar o copo onde o comprei e não o posso devolver, esse copo não é reutilizável – é colecionável.
O objetivo desta medida nunca foi ambiental. Foi sempre comercial: lucrar com a venda de copos enquanto se lava a imagem da indústria que mais resíduos plásticos produz – a das bebidas.
Claro que a solução não é voltarmos ao descartável. O problema não é o copo; é a ausência de sistema. Sem logística, circularidade e vontade política, a reutilização não passa de folclore. Um copo reutilizável precisa de contexto, não só de espessura. Se não o posso usar noutro arraial ou festival, então acumulo ou descarto lixo duro e colorido. E isso não é sustentabilidade – é marketing.