A vida como ela é
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Para todas as portuguesas que se encontram hoje confortavelmente sentadas em casa a fazer scroll no smartphone, ou a aproveitar a primavera tímida numa qualquer esplanada da sua cidade e que planearam não exercer o direito de voto porque acham que não vale a pena, aqui deixo umas fatias da história recente.
Em Portugal, o direito universal ao voto só se tornou uma realidade há menos de 50 anos, quando a Constituição de 1976 estabeleceu o direito ao sufrágio de todos os cidadãos maiores de 18 anos. Antes da Revolução dos Cravos, um longo caminho foi percorrido pelas sufragistas e feministas até ser possível o exercício ao direto de voto pelas mulheres. Trata-se, portanto, de um direito conquistado, que todas temos a obrigação de exercer.
A primeira mulher portuguesa a exercer tal direito foi Carolina Beatriz Ângelo, médica, viúva e chefe de família em 1911. Como a lei previa o direito de voto a chefes de família residentes em território nacional que soubessem ler e escrever sem especificar o sexo dos chefes de família, conseguiu votar. Em 1911, a Finlândia era o único país europeu que reconhecia o direito de voto às mulheres. O seu feito fez correr tinta na imprensa internacional, vários jornalistas estrangeiros vieram a Portugal para conhecer e entrevistar a primeira eleitora portuguesa. Por causa de tal ousadia, a lei eleitoral em 1913 foi alterada, passando a designar como eleitores apenas homens. Em 1931, a então ditadura militar concede de forma muito restrita o voto a mulheres, condicionado por habilitações literárias ou lucros financeiros. Só em 1968 é aprovada pela primeira vez uma lei que equipara o sufrágio masculino e feminino, porém, ainda com limitações. O longo caminho para o exercício do direito de voto foi sendo conquistado no século XX na Europa e no Mundo. Se hoje podemos exercer tal direito, a um batalhão de mulheres corajosas o devemos. Não se trata de um ideário feminista, mas do exercício de um direito que nos assiste, e, como tal, em relação ao qual temos o dever moral de cumprir.
Uma das atitudes que mais me aflige nas gerações abaixo da minha é a assunção de direitos adquiridos sem o questionamento sobre os mesmos. Num Mundo em que as redes sociais são invadidas por ídolos machistas e misóginos que prometem devolver aos jovens rapazes a masculinidade ameaçada pelo avanço das mulheres no mercado de trabalho e na esfera pública através de comportamentos de domínio e de humilhação, mais do que nunca é urgente e crucial que as mulheres lutem pelos seus direitos.
O exercício deste direito universal é a base de qualquer democracia e não podemos esquecer que estamos em democracia, não somos uma democracia. Os direitos conquistados nunca são adquiridos, essa é uma das lições que os regimes autocráticos nos esfregam todos os dias na cara, só não vê quem não quer. Se queremos preservar o estado democrático em que vivemos, o voto é a arma mais básica para lutar por ela.