O Presidente da República designou Lamego para sede das comemorações oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas neste ano de 2015. Como a generalidade dos órgãos de comunicação social noticiou, esta cidade do interior será o "palco" das cerimónias. E diga-se que "palco" é a palavra certa para descrever uma realidade que muito me choca: de quando em quando, o circo vai à província, colocando em contacto, num simulacro de democracia, as elites lisboetas com os gratos indígenas das cidades esquecidas.
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O circo, diga-se, é irrecusável. Batismos de mergulho, subidas de balão, até demonstração de cães de guerra. E ainda um oportuno encontro alusivo à interioridade e aos desafios da emancipação jovem, para o qual, admito, terá sido necessário trazer uns quantos jovens lamecenses de França, Inglaterra, Suíça e outros destinos para os quais terão, entretanto, partido em busca do que Portugal não lhes dá.
No dia 9, o inescapável jantar oferecido pelo Presidente da República, o mesmo é dizer pelos contribuintes, em que as melhores mesas serão seguramente populadas pelos senhores importantes de Lisboa, de deputados a governantes, juízes, militares e corpo diplomático. Para os de Lamego, estarão com certeza reservados uns lugares em mesas periféricas, à exceção, pois claro, do rebuçado da presença do presidente da Câmara na mesa central.
A sessão solene comemorativa será, ela própria, uma homenagem ao centralismo, uma frisa completa da rapaziada de Lisboa, que se desloca diligente à província em grandes e musculados automóveis pretos, com motoristas que se atropelam, num exercício de custos astronómicos. No programa e nos discursos, a avaliar pelo passado, nada da região "palco".
O sinal mais centralista e desqualificador para as cidades que recebem as comemorações do 10 de Junho é a escolha dos comissários que presidem à respetiva organização. O que têm em comum nomes como Elvira Fortunato, Silva Peneda, Sampaio da Nóvoa, António Barreto e João Bénard da Costa? Duas coisas: todos foram comissários do Dia de Portugal e todos, sem exceção, tinham a sua base profissional em Lisboa. Concluo que é mais fácil dizer do que ser o Presidente de todos os portugueses.
Começo a acreditar na tese de que, em Portugal, a curva normal de distribuição da inteligência saiu deformada. Por alguma lei natural, que não consigo descortinar mas que é bem conhecida para os lados de Belém, a vida em Lisboa parece fazer crescer significativamente o cérebro, a tal ponto que aqueles que vivem fora da capital ficam automaticamente excluídos de todo e qualquer desígnio que demande atividade intelectual significativa.