Merece aprofundamento a reflexão sobre os primeiros 100 dias de governação, objecto de avaliação por um painel de colaboradores regulares e publicada na edição de quarta-feira do "Jornal de Notícias". A média das notas atribuídas ao desempenho dos governantes, ainda que modesta, foi positiva. Os comentários do painel de cronistas são consistentes com as apreciações feitas pelas 100 figuras públicas nortenhas que se pronunciam, noutra página do jornal, sobre a mesma questão. Desta "amostragem" se poderia inferir, portanto, a existência de uma opinião pública que, embora dividida segundo previsíveis clivagens político-partidárias, estaria, em geral, moderadamente satisfeita com a acção do novo Governo. Será assim?
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O blogue inestimável de Pedro Magalhães - "Margens de Erro" - sempre atento e rigoroso na disponibilização de instrumentos críticos dos estudos de opinião, oferece, com a mesma data, o confronto dos resultados das sondagens realizadas nos 100 dias após as eleições de 2005, que deram a maioria absoluta ao Governo do PS, de 2009, que deram novamente a vitória ao PS, mas sem maioria absoluta para governar, e de 2011, que entregaram o governo à actual coligação entre o PSD e o CDS. Tendo em conta que as quatro sondagens disponíveis naquele blogue foram realizadas ao longo de três semanas, por diferentes empresas - o que dificulta as comparações entre resultados que foram obtidos por diferentes metodologias - e que uma aparente subida do PSD ao longo do mês de Setembro é parcialmente neutralizada pela aparente queda do CDS, parceiro da coligação, no mesmo período, dir-se-ia que a variação das apreciações dos eleitores nos três primeiros meses dos últimos três governos não aponta para variações substanciais mas, bem pelo contrário, reflectem uma atitude de sistemática reserva e adequada prudência por parte dos inquiridos.
O que tais números parecem confirmar é a validade da noção empírica de "estado de graça" ou, num registo agnóstico, de "benefício da dúvida", na gestão das expectativas dos eleitores. Mas também que, apesar dos repetidos anúncios em sentido contrário, esse "estado de dúvida" acerca das virtualidades do novo Governo por hora se mantém.
Curiosamente, de entre as figuras públicas ouvidas pelo "Jornal de Notícias", é do sector das artes que nos chegam as avaliações mais independentes, verosímeis e rigorosas da situação actual. Não resisto a transcrever aqui o depoimento notável da estilista Anabela Baldaque: "Gosto de mudanças, mas acho que ainda não estou satisfeita. Isto tudo mexe com o desconhecido e coloca-nos num território movediço. Por outro lado, o facto de se ter que agir deixa-me satisfeita. Falta é saber se é para melhor!"
Das virtudes da gestão de expectativas dos cidadãos pelo Governo actual, é notória a felicidade do permanente contraponto com o Governo anterior. Onde o outro era arrogante, este admite enganar-se. Onde o outro inspirava determinação e optimismo, este partilha perplexidades e angústias. O outro afirmava que fazia, este promete que vai fazer. Admitimos que não será por preguiça que após 100 dias de governação continuemos sem saber que reformas irão enquadrar e amenizar as medidas avulsas de pesada austeridade que vêm sendo anunciadas. Mas se foi a actual maioria que em alegre entendimento com a Extrema-Esquerda precipitou a crise que impôs a um governo demissionário a negociação internacional do resgate financeiro da pátria, como se entende que em três meses não tenha conseguido ainda mostrar a alternativa que prometeu... para além do cumprimento do memorando que os antecessores tiveram de firmar? E, já agora, se foi possível a um governo derrotado no Parlamento e humilhado em Bruxelas, concluir um tal acordo em tais circunstâncias, como entender a alegada dificuldade de concluir, antes das eleições regionais, o programa urgente de resgate interno para a ilha da Madeira?
Enfim, por tudo isto me parece que o Governo terá de trabalhar ainda muito duramente para merecer, se realmente o deseja, uma nota positiva dos portugueses. Pela nossa saúde...