O balanço geopolítico da guerra na Ucrânia é o que menos importa, agora que passaram 100 dias do mais violento ataque, em décadas, às ideias de paz, democracia e direitos humanos na Europa. A tragédia humanitária e social que atingiu milhões de cidadãos ucranianos indefesos não se pode comparar, em cicatrizes e sofrimento, com mais nada, e essa deve ser sempre a nossa bússola moral no entendimento que façamos do pós-conflito. Mas esta nova ordem mundial encerra outras privações na vida de quem está demasiado longe dos mísseis mas demasiado perto das balas económicas perdidas.
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A uma crise alimentar que a Rússia está a gerir com frieza soviética, ao fechar o mar Negro aos navios ucranianos carregados de cereais, soma-se uma crise energética, onde o Kremlin, ainda assim, está a perder o pé, após o anunciado embargo europeu de larga escala às importações do petróleo e gás russos. Tudo, que já não é pouco, profusamente aditivado por uma escalada de preços dos bens essenciais e de uma inflação impiedosa. Ora, se somarmos a isto a esperada subida das taxas Euribor, com um agravamento nas prestações da casa que, em alguns casos, pode ascender a 300 euros, começa a desenhar-se sobre as nossas cabeças uma espécie de tempestade perfeita para a qual não há grandes guarda-chuvas protetores.
Serão, por isso, muito mais do que 100 os dias tortuosos que se avizinham para os europeus e, em particular, para as economias mais débeis, como a portuguesa. Os salários não estão a acompanhar este movimento geral de empobrecimento e a exaltação sindical decorrente de uma perda de influência da Esquerda no Parlamento vai desaguar com estrondo nas ruas. Queremos todos virar a página, sobretudo agora que o verão começa a invadir as nossas vidas, mas os próximos 100 dias prometem ser tão ou mais sombrios do que os já vividos. É bom que nos preparemos.
*Diretor-adjunto