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Há países que vendem petróleo, automóveis, software, telemóveis e outras coisas em que fazem a diferença na economia global. Portugal a esse nível, verdadeiramente, só tem três coisas: o vinho do Porto, a cortiça e a valorização dos jogadores de futebol. A venda de Hulk e Witsel por 100 milhões de euros é um dessas coisas: o momento mais importante do mercado mundial de futebol deste ano. É pura arte de prospetar e valorizar os jogadores através da capacidade de chegar aos grandes palcos. Mas mais: é ser-se capaz de definir condições de venda a um nível de exigência mundial e fechar os negócios no timing certo.
Como é isto possível? Porque Pinto da Costa sabe muito de futebol e Luís Filipe Vieira aprende depressa. Porque o empresário Jorge Mendes suscitou uma escola de compra e venda de jogadores que tem sido seguida à risca por muitos colegas de profissão. E porque o conjunto de todos estes elementos permitiu projetar jogadores e figuras nacionais para o mais alto estrelato mundial. Desde logo Cristiano Ronaldo, criado numa das mais extraordinárias escolas de jogadores da Europa (a do Sporting). Depois, José Mourinho, cujo sucesso no F. C. Porto lhe deu visibilidade e credenciais para ascender a um plano estratosférico. E finalmente André Villas-Boas, cujos 15 milhões pagos pelo Chelsea ao F. C. Porto continuam a ser recorde mundial por um treinador.
Voltando a Hulk e Witsel: 100 milhões é muito dinheiro? Depende. Vejamos em pormenor o que é a Gazprom, a patrocinadora do Zenit de São Petersburgo. Para começar: trata-se da empresa mais rentável do Mundo - 44 mil milhões de dólares de lucros, apesar de ser apenas a 15.ª maior companhia do Globo. As vendas em 2011 somaram 157 mil milhões de dólares. A Apple, maior empresa do Mundo em valor bolsista, lucra "apenas" 25 mil milhões de dólares, ou seja, pouco mais de metade da Gazprom.
Para se perceber a escala a que atua o patrocinador do Zenit basta dizer que, nas 15 maiores empresas do Mundo, nove são do sector dos petróleos e gás natural. (A maior do Mundo é a Shell, logo seguida da Exxon-Mobil.) Quanto mais caros estão os combustíveis, mais elas ganham. A empresa russa é detida em 50,02% pelo Estado - Putin é apenas o mais moderno ditador democrático protegido pelo petróleo e gás. Acrescente-se, aliás, que o conjunto das empresas russas a explorarem combustíveis fósseis tornaram aquele país no maior exportador de combustíveis mundial, à frente da Arábia Saudita.
Uma questão então - faz sentido gastar-se tanto dinheiro em jogadores de futebol? A cartada de notoriedade é a Liga dos Campeões. É puro marketing. É a afirmação dos russos nos mercados europeus para onde a Gazprom exportou 150 mil milhões de metros cúbicos de gás natural em 2011 através de pipelines diretos da Rússia ao coração da Alemanha, Reino Unido e Turquia, já para não falarmos dos países vizinhos (desde logo a Ucrânia) e todas as ex-repúblicas soviéticas no Leste da Europa. A Gazprom aquece (literalmente) a Europa do Norte durante o Inverno.
Voltemos aos números: não há nenhuma empresa portuguesa entre as 500 maiores do Globo. Mas os clubes portugueses e a seleção nacional conseguem fazer parte dos cinco países mais importantes da Europa neste negócio. E só chegaram ao atual patamar porque existiu o Euro 2004 e os novos estádios do Dragão, Luz, Alvalade, Braga, entre outros. O nível de receitas e qualidade dos espectáculos (mesmo em termos televisivos) explodiu. Nem todos os clubes aproveitaram a oportunidade, é certo, mas uma coisa é factual: desde 2004 os clubes portugueses venderam, entre outros, Mourinho, Coentrão, Pepe, Falcao, Anderson, Nani, David Luiz, Di Maria, Ricardo Carvalho, André Villas-Boas, etc., e agora Hulk e Witsel e Javi García. Só estes 13 somaram perto de 380 milhões de euros em transferências, correspondentes a margens de lucro quase sempre acima dos 70% entre o valor de chegada e o valor de saída. Quem continua a falar dos custos do Euro 2004 tem de reconhecer pelo menos uma coisa: o investimento do Estado neste sector económico está mais que pago. Quando se estudarem os 10 anos pós-Euro 2004 ver-se-á que, afinal, o futebol deu lucro ao Estado.