O clima sufocante dos média, sobretudo na superficialidade televisiva, leva muitas vezes à retórica de que "não há saída" para Portugal. A verdade é que há, mas não de um dia para o outro. A mudança do país está a fazer-se através de um caminho muito estreito, que continua a acontecer. As empresas portuguesas estão a exportar desesperadamente. Em alguns casos a perder valor, noutros a descobrir novos mercados, noutros ainda a experimentar fazê-lo pela primeira vez, mas todas com a certeza de que temos de crescer. Fale-se com as empresas de transitários e navegação e veja-se a resposta: ao contrário do que acontecia no passado, em que os barcos e camiões chegavam cheios de importações a Portugal, agora o fluxo é inverso: saem semanalmente 13 mil camiões do país e dezenas de barcos cheios de bens "made in Portugal". Mas regressam cada vez mais vazios.
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O mérito desta capacidade de reação é das empresas e dos trabalhadores portugueses e muito pouco do Governo. Mas não é isso que importa. Quando não há estadistas (o caso Relvas revela a dependência ou conivência de Passos Coelho face ao pior do sistema político), um país tem de ser capaz de resolver os seus problemas sem a tutela de políticos de circunstância. Ainda assim, há um ponto muito importante: contar, pelo menos, com a neutralidade do Governo para que as coisas não piorem. E isto significa exatamente o quê? Garantir que Portugal melhora os níveis de défice e dívida pública. Sem estes serem credíveis, o nível das taxas de juro não desce e Portugal não sai deste vexame internacional que encarece o dinheiro e desvaloriza os produtos.
Infelizmente assistimos todos os dias, no entanto, à declaração do "fim do mundo". Em certo sentido isto acontece agora porque o rendimento per capita dos funcionários de serviços e empresas públicas foi muito afetado e a sua maioria está na Área Metropolitana de Lisboa, apesar do rendimento per capita da região ser 30 a 40% superior à média nacional. E o mesmo se passa com a taxa de desemprego, que é agora mais uniforme a nível nacional e por isso chegou também em força a Lisboa.
Sem instalar aqui nenhum tipo de dicotomia regional, é preciso dizer, ainda assim, que as condições de vida à volta da capital talvez se assemelhem hoje ao que se verificava desde há pelo menos três anos, por exemplo, na Área Metropolitana do Porto, já para não falar do interior do país. Vou quase semanalmente a Lisboa e desde há muito que vinha dizendo aos meus amigos na capital que a situação estava muito dura. Eles ouviam condescendentes, mas não a sentiam de forma evidente. Como se vivêssemos em dois países. Entretanto, desde Janeiro que eles não falam de outra coisa que não seja em crise. Ou seja: bastou as empresas do Estado começarem mesmo a mingar para que as economias mais dependentes dos rendimentos públicos começassem a exigir dinheiro, venha de onde vier - não importa. É isso que temo na retórica do "crescimento": professores, macroeconomistas, sindicalistas, deputados, talvez até banqueiros a exigirem mais consumo para dinamizar a procura, não querendo saber se ele se reflete em mais ou menos afundamento do país do ponto de vista estrutural. Repito: a única coisa boa que está a acontecer, todos os meses, é a capacidade de exportarmos mais e diminuirmos o défice da balança comercial. Se virarmos agora outra vez para a lógica do consumo que tem por base dívida (do Estado ou dos particulares) nunca mais saímos daqui.
Obviamente, não há palavras que possam diminuir a legitimidade do "combate ao desemprego". Os números mostram aliás, uma hecatombe no comércio, restauração e construção civil. Mas, sendo os três importantes, é preciso dizer de forma realista que não são estes os sectores que nos garantem a diminuição do desequilíbrio externo. Assim sendo, mais vale esperar um pouco mais pelo crescimento da "economia que exporta" (ou substitui importações) do que pôr o Estado a endividar-se para inventar obras. É preciso ser-se ultrasseletivo nos investimentos em betão. Talvez só a ferrovia em bitola europeia seja hoje um desígnio nacional. Treze mil camiões na estrada em direção ao centro da Europa não vai ser sustentável por muito tempo.