Fez esta semana 15 anos que na ilha do Faial foram entregues os dois primeiros cartões de cidadão: à melhor aluna do liceu da Horta e ao cidadão mais velho da ilha, precisamente na terra onde nasceu o presidente da República Manuel de Arriaga, o primeiro cidadão a receber um bilhete de identidade, quando ele se tornou obrigatório, em 1914.
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Quando se olha para este cartãozinho é difícil imaginar as dificuldades e problemas que foi preciso resolver para o começar a emitir. Mas foram muitos e tão ilustrativos, para outros projetos de inovação no setor público, que muitas vezes penso em escrever um livro com toda a equipa envolvida no projeto.
Muito mais que o valor acrescentado do cartão, que consolidou, num só, quatro cartões e eliminou o de eleitor, foi o que está por detrás dele, o que foi preciso organizar nos vários serviços envolvidos (eram 14, mas com os quatro grandes em destaque, os Registos, as Finanças, a Segurança Social e a Saúde). Fora a da Autoridade Tributária, todas as outras bases de dados eram frágeis ou não estavam digitalizadas. Na Saúde, por exemplo, havia mais de 300 bases de dados e mais de 13 milhões de inscritos, naturalmente com muitas duplicações. No final, tudo ficou limpo e digital.
Havia também que proteger os dados e, por isso, a ligação a essas bases, que se mantêm separadas, tinha de ser feita através de interoperabilidade, sendo que o projeto da plataforma estava a começar.
Contudo, não foram as dificuldades técnicas as que mais custaram a ultrapassar. Como sempre, foram as organizacionais, os silos que foi preciso quebrar e a confiança entre os serviços que tivemos de construir. Recordo como foi difícil convencê-los que tinham de escrever o nome e a morada nas bases no mesmo formato.
Como sempre, há também o medo de mudar. A eliminação do número de eleitor só pôde ser feita mais tarde porque a Administração eleitoral anunciava que seria o caos organizar as mesas por ordem alfabética, e os ministros responsáveis acreditaram mais nela do que na equipa que tratava do cartão.
E, finalmente, houve o temor dos fazedores de opinião pública. Na rua, os cidadãos perguntavam porque não estava no cartão a carta de condução. Nos jornais, escrevia-se que seria o big brother, um contentor de dados à vista de toda a gente. Por mais que tivéssemos explicado por palavras simples todos os detalhes, o que era o chip e como estava protegido, as opiniões estavam feitas.
Mas resistimos e vencemos todos os obstáculos de modo a que o nosso querido cartão (como que lhe chamamos na equipa) possa estar hoje na mão de mais de 11 milhões de portugueses.
*Eurodeputada do PS