Antipáticos, muitas vezes mesmo injustos, os impostos segmentam os portugueses em três blocos. Muito comum, o primeiro grupo é constituído pelos sofredores (civilizados) do costume. Sem hipótese de driblar a maioria das contribuições determinadas em sede fiscal, são tristonhos mas obedientes; encolhem os ombros, fazem das tripas coração no cumprimento das obrigações e ainda acalentam o sonho de estar a contribuir para uma sociedade mais solidária e de bem-estar. Protestam, sentem-se alvo de discriminação perante a artistice do lado, mas cumprem sob a expectativa de que um dia alguém meta nos eixos os prevaricadores.
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Num segundo alvéolo cabe - só nas fintas - uma multiplicidade de Cristianos Ronaldos desta vida: os tipos prontos a driblar o Fisco dê por onde der. A sistemática subida da chamada economia paralela é paradigmática de como está em alta a tendência para o escapulir permanente às mínimas obrigações. A Autoridade Tributária bem tenta lançar o isco ao controlo da faturação através do sorteio de uns carros de gama alta, mas nem sequer na próxima encarnação a atual geração de infratores será neutralizada na fuga por essa espécie de marcação à zona......
Formam o terceiro naipe a tipificar em matéria fiscal os portugueses notificados para a cobrança de impostos mas indisponíveis para satisfazer as suas obrigações, sejam elas de que natureza forem - nunca por rendimentos ou património inexistentes. São os caloteiros puros e duros, uns respeitáveis por num qualquer momento da vida não disporem de capacidade para cumprir as suas obrigações-deveres, outros apenas a confirmar a péssima massa de sangue de que são feitos. Não satisfazem as suas obrigações fiscais e, em muitas circunstâncias, exteriorizam insultuosos sinais de riqueza.
Em nome de uma sã cidadania, uma sociedade bem estruturada não pode nem deve conviver com os infratores das regras fiscais. Ao invés, impõe-se que reclame a punição dos prevaricadores.
Eis-nos, então, chegados a um ponto essencial: a capacidade do Estado de Direito Democrático para castigar os malfeitores de toda uma sociedade - sim, quem não paga os impostos determinados está a ser nefasto para o parceiro do lado.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, fez ontem o favor de anunciar ao país que desde 2010 foram condenados 170 cidadãos a prisão efetiva pela prática de crimes fiscais. Associado ao facto de desde janeiro os contribuintes com dívidas já não poderem beneficiar da dispensa de pena e do arquivamento do processo quando pagam os impostos em dívida, o discurso acentua uma moralização do sistema. Mas contém um problema: os números são curtos, curtíssimos e, como tal, não convencem o cidadão cumpridor, para mais quando se amontoam os escândalos de prescrições de crimes fiscais.
O endurecimento do combate à evasão fiscal, com as pessoas singulares na primeira linha, só pode ser bem-vindo.
A propósito: por que carga de água um cidadão infrator reconhecido por sentença transitada em julgado na falta do pagamento de impostos tem direitos de votar iguaizinhos aos de um zeloso cumpridor?