2ª ruralidade, signos distintivos e marca territorial
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Na sociedade da informação e comunicação, faz sentido uma breve reflexão sobre o universo simbólico da 2ª ruralidade, se quisermos, sobre os signos distintivos e a narrativa comunicacional ou storytelling e, portanto, a sua marca territorial. O universo material e simbólico de uma região contém muitos signos distintivos territoriais, muitos deles ignorados ou subestimados. Por exemplo, o mosaico agro-silvo-pastoril e paisagístico do montado, os sítios da rede natura 2000 e as áreas de paisagem protegida, a biodiversidade, os endemismos e os serviços de ecossistema, o turismo e os percursos de natureza, as denominações de origem protegida (DOP), as apelações de património imaterial da UNESCO, as reservas de biosfera, os campos e as estações arqueológicas, a cultura tradicional e as paisagens literárias, são exemplos de signos distintivos territoriais (SDT) que podem contribuir decisivamente para a construção da iconografia de uma região, a sua marca impressiva territorial, a sua história de vida e o seu projeto de futuro, se quisermos, para uma espécie de argumento ficcionado, o seu storytelling e, portanto, a marca territorial
Os signos distintivos são, portanto, deste ponto de vista, informação bruta acerca de um território, elementos discursivos que podem ser coletados para contar uma história interessante acerca de um eventual território-desejado. Se esse território reunir as características de um território-rede essa informação pode ser recolhida e tratada em seu benefício, isto é, podemos produzir meta-dados em benefício do território-rede. O grande desafio desta fase é a descoberta ou a construção do território-desejado, no sentido de uma inteligência emocional coletiva, do território como paisagem orgânica global, como território ser-vivo, pois estamos convencidos de que a smartificação é perfeitamente compatível não apenas com a lógica e a transição ecológicas, mas, também, com a arte e a cultura expressas tacitamente pelos seus signos distintivos.
Nesta linha de pensamento, é muito interessante observar o que irá passar-se com os espaços rurais, mesmo os mais remotos, imersos num caldo cosmopolita de ambientalização, turistificação e culturalização que, hoje, o universo digital e as redes sociais disseminam à velocidade da luz. Desde logo, na atenção especial prestada aos valores da ecologia da paisagem, em seguida nos dispositivos virtuais de digitalização do território e sua turistificação, em terceiro lugar na construção de uma identidade dos lugares a partir dos seus signos mais emblemáticos e significativos. Se esta linha
argumentativa for prosseguida, o mesmo acontecerá com a economia dos sistemas produtivos locais, pois queremos acreditar que o ator-rede é um ator inteligente que não confundirá plantações de árvores com floresta, engenharia florestal com silvicultura, culturas transgénicas com agricultura, animais clonados com pecuária, operações fundiárias com engenharia biofísica, arranjismo verde com arquitetura paisagística, esverdeamento de culturas com prestação de serviços ambientais e gestão do sistema de produtos com gestão dos produtos do sistema. Este elenco de situações é, só por si, um grande programa de investigação-ação-extensão para o mundo rural e uma linha consistente de storytelling que as redes e plataformas digitais distribuídas e colaborativas assumirão como um programa genuíno para a sociedade da 2ª ruralidade.
A grande novidade desta linha narrativa e comunicacional é que a inteligência coletiva estará muito para lá das fronteiras territoriais e germinará no universo da cibercultura. Este o tempo das gerações Y e Z, as gerações dos screenagers e da internet móvel em todas a suas variantes técnicas. Os cibernautas das gerações Y e Z (nascidos de 1980 para cá) são mais criativos, convivem e trabalham mais em comunidades virtuais e ambientes simulados do que em comunidades reais e ambientes físicos. Eles pertencem ao universo dos servidores e utilizadores mais do que ao universo dos vendedores e compradores. Eles são pessoas e indivíduos que trabalham em regime de coworking e networking, em crowdsourcing e outsourcing, estão constantemente conectados e usam a sua criatividade para agregar valor compartilhado aos bens e serviços que prestam ao consumidor final. Neste sentido, quero crer que eles colocarão as quatro inteligências, racional, emocional, natural e artificial, ao serviço do potencial colaborativo da inteligência coletiva que habita as redes de cooperação empresarial, as redes de investigação e desenvolvimento, as redes de inovação social e cultural, as redes amigas do ambiente e os territórios-rede da 2ª ruralidade. Se assim for, será uma grande oportunidade e uma enorme bênção para todos os territórios.
Ora, o ambiente de trabalho que espera estas novas gerações vai ser muito estimulante e criativo para o mundo rural. Nos nossos territórios já existe um triângulo criativo que importa promover. Esse triângulo é de geometria variável e tem no primeiro vértice o Património e a Paisagem, no segundo a Ciência e Tecnologia e no terceiro a Arte e a Cultura. O património e a paisagem traçam os limites ético-normativos da nossa atuação em matéria de recursos fundamentais por via de uma política de ordenamento do território, mas são, ao mesmo tempo, uma fonte de muita criatividade, não apenas porque o património, a nossa memória histórica, mergulha profundamente no tempo longo da nossa existência, mas, também, porque os seus inúmeros sinais distintivos dilatam o nosso horizonte de esperança e a nossa liberdade criativa acerca do futuro próximo.
Essa liberdade criativa que retiramos do património e da paisagem é, igualmente, transposta para a ciência e a tecnologia. Neste campo todos esperamos que os centros de investigação, os centros de ciência viva e os centros de interpretação, mas, também, a rede de artes e ofícios artesanais e as associações empresariais, sejam capazes de encontrar o networking mais apropriado à sua concreta atuação, tendo em vista, justamente, a criação de valor próprio e o acesso ao direito de propriedade industrial e intelectual mas, igualmente, o valor simbólico e reputacional que pode ser transferido para as fileiras e os arranjos produtivos locais e regionais. A ciência e a tecnologia podem, por exemplo, trazer um endemismo local, uma semente perdida ou uma tecnologia ambiental para a ordem do dia, convertendo esses sinais distintivos em ícones da sociedade local e ajudando os arranjos produtivos locais a projetar mais facilmente as marcas e os terroirs regionais.
Finalmente, quanto à arte e cultura, basta lembrar a liberdade criativa dos roteiros da SPIRA, empresa especializada em projetos de revitalização patrimonial – rota do fresco (arte sacra), rota do montado (património natural), rota do mármore (património industrial), rota do pica-chouriço (contrabando, património cultural) – que reunindo 21 municípios alentejanos formam e integram a marca rota dos compadres. Outros exemplos podem ser incorporados em estratégias colaborativas de maior intensidade-rede e em operações bem orquestradas de marketing e comunicação simbólica, por exemplo, nos arranjos produtivos de parques naturais, geoparques e zonas termais, bem como, de certos destinos turísticos e lugares de culto e peregrinação.
Estas referências querem dizer que a curadoria e a marca de um território são fatores fundamentais para estruturar e acionar o sistema operativo de um território. Estamos, agora, em condições de alinhar os fatores que favorecem a política de marcas ou branding territorial.
Em primeiro lugar, o policy-framework e o policy-design do programa operacional regional no que diz respeito ao desenho das medidas de política, à sua operacionalização e intensidade-rede. A intensidade-rede depende da ação de um ator-rede dedicado cuja missão fundamental é, justamente, a eficácia, a eficiência, a equidade e a efetividade das medidas de política.
Em segundo lugar, a estratégia promocional do ator-rede e a sua política de comunicação visam alcançar um networking apropriado à sua missão, por exemplo, a sua integração em redes europeias da Unesco, do Conselho da Europa ou da União Europeia e, a partir daí, oferecer um programa internacional de residências artísticas, culturais e científicas que sejam capazes de atrair jovens talentos de todas as áreas em estreita associação com os programas nacionais de ciência e investigação, artes e cultura. É no âmbito destas residências e de um programa próprio de economia e curadoria criativas que serão forjadas e testadas algumas das propostas de branding territorial.
Em terceiro lugar, é fundamental que o ator-rede desenvolva experiências inovadoras de cocriação, financiamento participativo ou crowdfunding, mas, também, de crowdsourcing e crowdlearning que sejam a expressão do envolvimento direto das populações e dos agentes económicos na criação e reconhecimento da marca territorial.
Finalmente, é fundamental que a inovação territorial e a especialização inteligente não sejam instrumentalizadas pela informática das plataformas e a construção de espaços para incubadoras e residências de coworking; é necessária uma outra cultura de ordenamento com relevo para as redes de vilas e cidades, em formatos socioinstitucionais inovadores e criativos como é o caso da curadoria dos territórios-rede que aqui já referimos.