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Paris - À segunda volta, a França indicou de forma clara que escolhia Emmanuel Macron para presidente. Em contrapartida, os 10 milhões de votos recolhidos por Marine Le Pen conferem-lhe um pífio terceiro lugar que se inscreve, algures, entre os 12 milhões de eleitores que se abstiveram e a cifra inédita de 4 milhões de votos brancos e nulos. As esquerdas, que na primeira volta votaram em Jean-Luc Mélenchon e Benoît Hamon, deram agora um contributo decisivo para a eleição do presidente. Pelo contrário, o grosso dos eleitores da Direita, apesar do apelo de François Fillon, preferiram reagrupar-se ao lado das hostes da Frente Nacional! Podemos então concluir que o principal concorrente de Macron não foi Le Pen. Foi a abstenção! E é precisamente sobre as razões do crescimento da desconfiança dos cidadãos nos seus representantes que o novo presidente tem de refletir com a maior seriedade, para que a globalização, a vontade anónima dos mercados, a burocracia de Bruxelas e a intransigência alemã, deixem de ser os suspeitos do costume para iludir a sistemática violação dos compromissos assumidos nos programas eleitorais e assim dececionar as legítimas expectativas dos eleitores, desacreditar a política e transformar a representação democrática no instrumento legitimador de uma qualquer oligarquia.
Bruxelas - Espera-se do mandato presidencial de Emmanuel Macron que possa trazer um reforço sensível à corrente europeia reformadora - onde se inclui o Governo português - que tem alertado insistentemente para a ameaça de desagregação da União, denunciando as políticas que foram impostas aos estados mais afetados pela crise para lhes imputar os custos da construção defeituosa da moeda comum. A quebra da solidariedade entre os povos, o desprezo pela carta dos direitos fundamentais e a demolição do modelo de democracia social que outrora serviu de exemplo ao Mundo, traduzem-se cruelmente na incapacidade de acolher as vagas de refugiados abandonados à morte junto das fronteiras externas desta mesma Europa que repudiou a adesão da Turquia mas consente que os regimes da Hungria e da Polónia - apesar do sistemático atropelo da democracia e dos direitos fundamentais - permaneçam impunemente na União. No discurso de vitória em frente ao Palácio do Louvre, Macron invocou os generosos filósofos das Luzes e proclamou a sua fidelidade aos valores fundacionais da construção europeia. Os franceses que o elegeram, os europeus que o aplaudiram e todos os que dele esperam um testemunho de coerência entre a generosidade do discurso e a firmeza da ação política, estarão atentos e irão exigir-lhe que "respeite a palavra dada!".
Porto - É também em nome da transparência e do pluralismo democrático que saudamos a apresentação do PS às eleições de outubro na cidade do Porto, com a sua bandeira, o seu programa e os seus candidatos. Em tempo, os vereadores do PS renunciaram aos pelouros que o presidente lhes tinha atribuído. Até poderiam ter reagido mais cedo, logo que foi perpetrada a tentativa ridícula de responsabilizar os dirigentes nacionais pelo alegado "incómodo" causado aos independentes que governam a Câmara. Os vereadores socialistas não se associaram ao Governo da cidade, em 2013, por decisão individual nem se demitiram do partido para aceitar nessa data o convite da lista vencedora. Pelo contrário, o acordo assumido com a lista independente foi previamente aprovado pela Comissão Política Concelhia do PS... o que, na altura, não pareceu incomodar o parceiro agora desavindo! Deplora-se a invocação leviana dos demónios do centralismo para disfarçar tiques autocráticos, preconceitos paroquiais e uma cultura democrática deficiente. Hoje, o PS enfrenta uma tarefa bem difícil e complexa: reivindicar o seu contributo para a governação da cidade, combater resolutamente todos os adversários e persuadir os portuenses da superioridade do seu próprio programa. O Porto merece!
* DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL