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Ficou para a história aquele médico americano que, em 1901, se dedicou à estranha experiência de pesar o corpo dos pacientes imediatamente antes e logo depois de morrerem. Como os cadáveres pesavam sempre 21 gramas menos, coisa que não acontecia com a generalidade dos animais, concluía o clínico que essa diferença era o peso da alma humana.
A tese não fez escola, mas já volto aqui.
Fracassaram, até agora, todas as tentativas da União Europeia para lidar com a maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial. E, no entanto, todos sabem o que esperam de nós o milhão de imigrantes potenciais procedentes da África e Médio Oriente. Vêm fugidos à guerra, à fome, à tirania.
Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, cerca de 224 mil atravessaram o Mediterrâneo nos primeiros sete meses deste ano. Destes, 124 mil desembarcaram na Grécia e cerca de 98 mil em Itália. No mesmo período, mais de 2100 pessoas morreram na travessia, enquanto 600 mil esperam asilo.
E os ministros da União, que se reuniram de novo esta semana, em Viena, não se entendem sequer sobre como repartir, de forma solidária e por quotas, a pressão dramática que se abate sobre os dois principais países onde dão à costa a maioria dos que procuram abrigo e melhores dias na Europa. Por macabra ironia, a poucos quilómetros do local daquela cimeira era descoberto um camião frigorífico com 71 corpos de refugiados em elevado estado de decomposição. Horror!
Em cima da mesa está a repartição da quota voluntária de apenas 40 mil, cabendo a Portugal destacar unidades da Marinha e da Força Aérea para apoiar ações de vigilância e salvamento, e receber 1500 (ou mais) desses refugiados nos próximos dois anos. Mas nada disto, ainda, é tema de campanha eleitoral.
A Europa pode falhar, e falha, como espaço comunitário de integração económica e fiscal, partilha de moeda e livre circulação. Mas revelar medo ou intolerância ao direito de asilo de perseguidos é ceder à xenofobia. E, pior, é falhar num dos pilares que lhe sustentam a propalada superioridade moral em matéria de direitos humanos.
A história da humanidade fez-se de migrações. O êxodo e a procura de uma terra prometida são a matriz da nossa cultura. Enjeitá-la é negar a alma da nossa civilização. Podemos não acreditar na alma ou no peso que lhe dava o americano. Mas acreditemos, ao menos, que aqueles 21 gramas de diferença nos pesem em vergonha.
*DIRETOR