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Há uns anos, talvez mais de dez, estive numa reunião com Joana Melo Antunes. Estávamos vários à volta da mesa, mas não faço a mais pequena ideia do que ali discutimos. Sei que dela me recordo bem. Sentou-se quase à cabeceira da mesa, discreta e luminosa. Fiquei a pensar que valia a pena conhecê-la, curiosamente a mesma sensação com que fiquei quando conversei brevemente, num único encontro, com o seu pai, Ernesto Melo Antunes. Marcámos uma entrevista que não cheguei a fazer, pois morreria pouco depois. Perdi a minha hipótese de falar com o grande arquiteto do 25 de Novembro. Tornei a pensar no pai e na filha por causa desta maluqueira revisionista que, à força de decreto, inventou o seu 25 de Abril privativo. Voltei a pensar em Melo Antunes, ideólogo do Grupo dos 9 e o maior aliado militar de Mário Soares, que já nada pode dizer sobre a guerra colonial e a descolonização, sobre a liberdade dos cravos e o 25 de Novembro, sobre o acordo com Cunhal e os primeiros passos da democracia portuguesa, da qual foi protagonista. Imagino o que esteja a passar pela cabeça da Joana com a aparição desta tropa fandanga que parecia encafuada num armário e que agora aparece como criadora da liberdade e dos direitos e garantias. Ver Nuno Melo e aquele senhor do Chega que privava com os bombistas saudosos de Salazar é tão patético como se visse Jerónimo de Sousa e Louçã defenderem o 28 de Maio ou a aparição dos pastorinhos à Nossa Senhora de Fátima. Perdoa-lhes, Joana, eles não sabem o que fazem... ou então sabem demasiadamente bem.

