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Celebra-se o 25 de Novembro com pompa, com cerimónias oficiais, para responder ao ímpeto dos que ensaiam um revisionismo histórico, na senda de fazer contas com um passado que nunca existiu, mas que serve para vingar os "lesados" do 25 de Abril. Já os verdadeiros democratas, incluindo aqueles que fizeram, de facto, o 25 de Novembro, continuam com a convicção de que Abril é a data fundadora da nossa democracia e tudo o resto é forçar o divisionismo que nasce do revisionismo. Nota-se, porém, falta de ímpeto para assinalar o 25 de Novembro que interessa às mulheres deste país - o Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Isto porque, sendo um problema tão profundo e devastador, estranha-se que não mereça a atenção e as honras de Estado da efeméride da semana.
Só desde o início do ano, morreram em Portugal vinte e quatro mulheres e houve cerca de vinte cinco mil queixas por violência doméstica, sabendo nós que será só a ponta visível do icebergue, pelo facto de haver ainda muito pudor em fazer queixa formal às autoridades por parte das vítimas. Apesar disso, vemos a AD e a extrema-direita muito mais empenhadas em associar criminalidade e imigração do que em assumir que o verdadeiro problema de segurança no nosso país é a violência contra as mulheres.
A estatística é inegável e, sendo o crime de violência doméstica o mais reportado, dá-se o caso de, em Portugal, um dos países mais seguros do Mundo, o lugar mais perigoso para uma mulher ser dentro de sua casa. Abuso sexual, violência física e psicológica, femicídio são crimes que acontecem de forma muito mais provável em contexto familiar do que em qualquer outra esfera, ainda que não seja de somenos a sua incidência no espaço público e mesmo em contexto laboral.
Desde crianças nos ensinam a temer a rua, a condicionar o nosso comportamento para não aumentar o risco, a vestir de forma discreta, evitar determinadas ruas e horários, não sair ou viajar sozinhas, um sem-número de recomendações que, no intuito de nos proteger, tolhem as nossas liberdades e o nosso direito de ir e vir em liberdade no espaço público. Aprendemos, com isso, que a inimputabilidade da testosterona e seus ímpetos sexuais e violentos estão acima da nossa liberdade e isso faz com que tenhamos a certeza de que o espaço público não é nosso, é o domínio dos homens.
Por seu turno, o espaço doméstico, para o qual historicamente fomos relegadas, é bastante pior em demasiadas ocasiões e isso faz com que não haja lugares seguros para muitas mulheres e crianças, num país em que a maioria das condenações não resulta em prisão efetiva, em que são as mulheres que têm de fugir de casa e largar a sua vida para trás, enquanto o agressor continua impávido, e em que o alarme social é performativo e resulta em quase nada do ponto de vista da mobilização cívica, da criação de políticas públicas efetivas e do funcionamento do sistema judicial.
(Enquanto isso, eles assobiam para o lado e gritam: viva o 25 de Novembro!)

