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"Leiam os meus lábios: não vai haver novos impostos". E houve. A frase de 1988 do presidente americano Bush (pai) ficou célebre pelo seu tom enfático e foi erigida como mais uma das mentiras históricas que vão ajudando à erosão da credibilidade dos políticos, perante os eleitores com alguma memória.
Dizer uma coisa e fazer outra em matéria de impostos passou mesmo a ser uma banalidade na atitude dos Estados, que hoje já só surpreende os mais ingénuos.
Entre nós, o debate público sobre a fiscalidade tem vindo a aumentar de tom. Fala-se hoje muito mais de impostos do que era habitual no passado, talvez pelo facto dos cidadãos, face aos escândalos bancários e às notícias sobre corrupção envolvendo bens do erário público, se terem tornado mais atentos e informados. Daí que a preocupação com o uso que se faz daquilo que o Estado lhes tira dos bolsos tenha crescido. E ainda bem, porque isso obriga os agentes políticos a serem mais transparentes. Infelizmente, isso não os inibe de manterem taxas de fiscalidade verdadeiramente escandalosas.
Mas porque é que isso acontece? Porque a máquina do Estado tem a dimensão e o peso financeiro que tem - e que nem sequer é muito exagerada, em termos comparativos europeus, por muito que se diga o contrário. Parte substancial da despesa pública corrente tem uma grande rigidez, dado que dela dependem áreas vitais do Estado, como ficou patente no fracasso de muitas das medidas para atacar as supostas e míticas "gorduras" estatais, que nem mesmo a troika foi capaz de eliminar. Acresce que o serviço da dívida é um encargo incontornável e o ataque às pensões de reforma tem limites que só a indecência política do anterior Governo austeritário teve o desplante de considerar como legítimo ultrapassar.
A verdade é que, no quadro europeu atual, a certos Estados restam muito poucos meios para conseguirem fazer a "quadratura do círculo". A pressão externa, feita por essa "ASAE do euro" que dá pelo nome de Comissão Europeia, obriga a constrangimentos quantitativos em matéria de redução de défice e percurso de redução da dívida, num modelo "one fits all", que praticamente trata da mesma forma economias desafogadas e com excedentes e países com défices endémicos de competitividade e situações conjunturais graves.
Enquanto as coisas se processarem desta forma, enquanto o peso das dívidas públicas não for revisto, enquanto cada economia não puder ter objetivos de convergência, quantitativos e temporais, realistas e adaptados à sua real capacidade, os governos nacionais só têm um instrumento para poderem mostrar-se "cumpridores" no retrato anual apresentado a Bruxelas: jogar com os impostos nacionais, por muito que isso retraia o consumo (e o crescimento) e abafe a atividade dos agentes económicos.
* EMBAIXADOR