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Há quem reflicta pela luz que emana o que outros espelham pelo brilho nos olhos. A histeria colectiva na "Web Summit" em Lisboa e a reflexão contemporânea no "Fórum do Futuro" no Porto dizem muito sobre a nossa relação com o que desconhecemos pela verdade, antecipamos pela audácia e apenas vislumbramos, quase às cegas, por apalpação. Uma questão de intensidade e de visão aberta em copas. Reduzir a nossa ideia de futuro ao Parque Mayer digital, lantejoulas e brilhantinas alfanuméricas virtuais, é um exercício pavoroso e repleto de pitch-trend-and-ashtag-vibes-by-your-command. Pisar o futuro com os dois pés, a pés juntos de ciborgue. Negar a dimensão feérica da "Web Summit" das vaidades é tão absurdo como despojá-la, por preconceito, do seu valor intrínseco. Seria tão grave como desconhecermos o contributo do "Fórum do Futuro" para o pensamento vivo analógico sem lugar nas linhas industriais da comunicação, uma espécie de realidade experimental porque pensar sem holofotes custa. Cimeira e Fórum, cada um no sítio certo. Cada um deles a tecer o futuro por portas dos fundos distintas, desenhando luzes ou sombras pela porta de entrada.
Assim vai o futuro. Relatos distintos dão-nos conta de que dois robôs rumaram à feira e palestraram. Rezam algumas crónicas que parte do desafio cuida de saber da perícia de alguns participantes na tarefa de conseguirem seduzi-los com pilhas, à noite, para os copos. Coroa de glória. Se o debate sobre uma rede artificial de inteligência artificial se sintetiza num debate entre Sophia e Einstein (dois robôs precursores da "superinteligência artificial"), encerra-se a guerra dos sexos, do assédio e da procriação. Artificialmente e à base de lata. Findos estarão os tempos para a adulteração da Justiça nos acórdãos de Neto de Moura, para a suspensão de pena do nunca arrependido Manuel Maria Carrilho, para a equação de juventude prescrita no armário de Kevin Spacey ou para a substituição, no sorteio sexista da ATP em Milão, das bolas da sorte por mulheres. Sophia, a robô, assegurava que "vamos roubar os vossos empregos, sim, mas vai ser uma coisa boa". A Humanidade está resolvida, vai de férias. Como diria o homem-forte da Padaria Portuguesa, é tudo uma questão de motivação para o espírito de trabalho em equipa: que interessa a remuneração-base se os robôs não são variáveis, se compram às peças e nem se manifestam por presença de espírito? Prémio lata.
Entretanto, os exageros que comprometem a luta dos humanos. "Não deixem Adam Sandler mexer nos joelhos de Claire Foy", dirão aqueles que sempre seduziram bem-sucedidos. Os holofotes que se iluminam para as falhas parecem ser os mesmos que se iluminam para os crimes. Pinta-se a perfeição a cada esquina. É por isso que este Mundo parece mesmo desenhado para robôs.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
* MÚSICO E JURISTA