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Já aqui escrevi sobre a perigosa implantação na consciência coletiva da ideia de que o Estado deve e pode entrar na vida dos cidadãos, como se os cidadãos não pudessem ou devessem ter vida própria. Dizer que a relação do Estado com o cidadão pode ser definida pelo "quem não deve não teme", como se ouve por aí, é o mesmo que achar que não são precisos nem médicos nem SNS porque "quem canta seus males espanta". Ora, alguém não querer revelar parte da sua vida não significa que está a esconder alguma coisa de condenável. Só quer dizer que há coisas que são privadas. E, já agora, quem decide o que é ou não condenável? Quantas vezes a razão teve de ser escondida dos olhos dos Estados por alguns, em ato de resistência até um dia poder chegar a todos? É grave que a privacidade tenha de ser reivindicada, como se não fosse um direito tão natural como a liberdade de expressão. Pior ainda é haver democratas que o contestem. Não leram eles livros de história? O silêncio com que se aceita isto é sintoma de uma sociedade doente, produto de uma cultura que premeia a sobre-exposição e o exibicionismo. Mas nem isso pode servir de desculpa. Não é por eu meter uma foto no Facebook que o Estado pode considerar legítimo entrar no meu computador (já estivemos mais longe) ou saber quanto tenho na minha conta.