Corpo do artigo
O Bojador do Orçamento do Estado para 2017 deve ter sido ultrapassado ontem quando, ainda o documento não estava aprovado, as perguntas feitas ao primeiro-ministro deixaram de ser sobre uma qualquer posição de um dos partidos da aliança de Esquerda, para serem sobre a negociação com a Europa.
Até aí, balançando entre os dois "mostrengos" internos, as negociações foram prosseguindo com algum dramatismo, que sem dúvida ajudará a dar peso ao exercício orçamental mas que tem pouco a ver com a realidade. Desde logo, porque "o Inferno" não está aí. Costa e Centeno têm conseguido escapar desse fogo que pode queimar as metas do défice, chamado recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, e sobre a mesa de negociação nunca esteve nada que pudesse perturbar dramaticamente o frágil equilíbrio das nossas contas públicas.
Numa casa em que não há pão tem de imperar o pragmatismo. No atual quadro político, isso significa abrir portas a algumas reivindicações do BE ou do PCP, como por exemplo nas pensões, para voltar a fechar algumas janelas como a eliminação gradual da sobretaxa do IRS. Se é 10 euros para todos ou só para alguns, se é em janeiro ou em junho, faz parte deste jogo de que quem destapa de um lado está obrigado a tapar do outro.
É para o que dá. Mais do que um programa do Governo é no momento do Orçamento que se definem as políticas que determinarão o caminho do país. No de 2016, António Costa conseguiu dar um ar de que o tempo de austeridade era o pretérito, graças a uma série de reversões das políticas do anterior Executivo. Mas, com o de 2017, torna-se muito mais claro que a austeridade pode ter mudado de sentido, mas continua, mostrando que em Portugal o Orçamento não é um momento de ambição mas de contar os tostões.
Talvez seja o suficiente para manter equilibrada a nossa imagem perante os credores e os parceiros europeus, à espera de que uma União à beira do Brexit ou com um sistema financeiro fragilizado não nos sujeite a alguma tempestade perfeita que uma casca de noz terá muita dificuldade em ultrapassar incólume. Não parece é que seja muito mais do que mais do mesmo: o espelho de um país incapaz de traduzir o seu esforço em crescimento económico significativo e que adia a resolução de problemas, entre eles o maior, o do fantasma da dívida. Ela é o registo acumulado das promessas falhadas de um país viável.
* SUBDIRETOR