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1. "A nossa falha foi talvez a de não termos gritado mais alto". Disse-o Telmo Correia, do CDS, no discurso de encerramento da discussão da moção de censura apresentada pelo seu partido. Não seria essa a intenção, mas dá uma boa síntese do debate na Assembleia da República, a propósito dos incêndios de 15 e 16 de outubro, que mataram 45 pessoas e deixaram a região Centro do país reduzida a cinzas. Muita retórica gritada, mas pelos vistos não a suficiente ou suficientemente alta. Sendo que o guião da gritaria já estava escrito à partida. O PS a vociferar com a responsabilidade de todos os governos anteriores, diluindo as próprias; o BE e o PCP, desconfiados quanto às soluções, como convém a quem está com um pé fora e outro dentro, mas ainda mais ruidosos quanto às diabólicas intenções da Direita; e esta (CDS e PSD), berrando sobre as responsabilidades do Governo de turno. Com a exceção, lá está, de Telmo Correia, que reconheceu que deveria ter gritado mais alto e mais cedo. Nada que conte para o futuro. Bem mais importante - sobretudo se tiver algum reflexo nas sondagens - é que Assunção Cristas, com mais ou menos carinho pelo eucalipto, mostre quem lidera a Oposição. Ou seja, que grita mais alto do que o PSD.
2. Parece ser opinião unânime que o Estado falhou aos cidadãos. Mas julgo ser preferível uma outra formulação, posto que o Estado são todos e não penso que a maioria dos portugueses possa ser responsabilizada, nem por estas, nem por outras tragédias. Será mais correto dizer que os políticos falharam aos cidadãos. E dito assim, percebe-se que os falhanços revelados pelos incêndios se destacam sobretudo pelo número direto de mortos. Porque o Estado, ou seja, os políticos, falham todos os dias. Falhas que ficam à vista quando se percebe, como na semana passada, que há 2,6 milhões de portugueses em risco de pobreza (25,1%), e que os mais afetados são as crianças e os jovens (27%), sem que se note a mais vaga das intenções políticas de avançar com um plano de combate. Falhas que ficam à vista quando se lê, como nesta semana, que os políticos permitam que haja empresas a cobrar 90 cêntimos por uma refeição escolar, para ganhar os concursos (mais ou menos o mesmo que custa alimentar um cão a ração), com consequências para a saúde das crianças. Falhas que ficam à vista quando se lê, como há uns dias, que no próximo ano vão ser derretidos mais mil milhões de euros dos nossos impostos a pagar bancos falidos (BPN, Banif, BES), mais do dobro do dinheiro que o Governo de turno vai atirar para cima das cinzas, com a secreta esperança de assim disfarçar o negrume. Talvez Telmo Correia tenha alguma razão. Faz falta gritar mais alto. Aos cidadãos, não aos políticos.
* EDITOR EXECUTIVO