1. A reportagem foi publicada, em março do ano passado, no "Haaretz" ("A Terra"), o mais antigo jornal impresso de Israel, com uma linha editorial secular e de Esquerda. Um dos seus jornalistas quis saber o que poderiam contar os snipers (atiradores especiais) que passam pela Faixa de Gaza.
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A história que daí resultou é reveladora. Estimava-se que os snipers fossem responsáveis, até então, pela morte de cerca de 200 pessoas em Gaza. E pelas deficiências físicas permanentes de oito mil palestinianos.
As vítimas de uma ordem que mandava "atirar aos joelhos" de qualquer manifestante que se aproximasse da vedação atrás da qual estão encerradas dois milhões de pessoas. Como contou, orgulhoso, um desses snipers, chegou a faturar "42 joelhos num dia", a frase que deu o título à reportagem do jornalista Hilo Glazer.
Nem este nem os outros snipers revelaram qualquer arrependimento. Quando muito, desculpavam-se por não terem sido mais eficazes. Como escreveu, no dia seguinte, um dos editorialistas do jornal, Gideon Levy, são jovens que perderam a bússola moral. Continuarão a estudar, vão progredir nas suas carreiras, constituir família, "mas nunca vão recuperar da sua cegueira". Resumindo, "são um perigo para a sociedade".
2. Os piores crimes da história recente foram cometidos, por ação ou omissão, sempre que os nossos rejeitaram a humanidade dos outros. E a história, afinal, repete-se. Seja quando ignoramos as vagas de migrantes desesperados que morrem no mar Mediterrâneo, seja quando aceitamos que quem está a morrer na Faixa de Gaza são os escudos humanos do Hamas.
Não, não são apenas migrantes, nem são apenas escudos humanos. São homens, mulheres e crianças vítimas de déspotas diversos (que os empurram para o mar) e de democratas europeus (que não só não os querem acolher, como já nem sequer os querem salvar da morte).
São homens, mulheres e crianças atirados para o cadafalso pelos extremistas islâmicos e executados pelos carrascos israelitas. São pessoas, seres humanos, podiam ser os meus ou os seus filhos, se tivéssemos nascido do lado errado do mar, ou do lado errado dos muros e arame farpado da Terra Santa.
*Diretor-adjunto