Um recente artigo publicado neste jornal transmitiu a ideia errada de que iríamos ter falta de Médicos de Família (MF) porque se vão reformar 3007 nos próximos 10 anos.
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Para ser rigoroso, o artigo deveria ter apresentado a contabilidade de quantos novos MF se vão formar no mesmo período de tempo.
Pois bem, esse número será bem superior a 4500! Significa que, nos próximos 10 anos, o sistema de saúde contará com um superavit de 1500 MF, um valor muito acima das necessidades do país.
A partir de 2025 as reformas anuais de MF andarão abaixo de 100 por ano, mas continuaremos a formar mais de 450 novos MF por ano. O excesso é evidente, pelo que milhares terão de emigrar.
É por esta razão que a Ordem dos Médicos, com base nas estatísticas reais, afirma que cerca de um terço dos jovens que atualmente estão a entrar no curso de Medicina tem como destino inexorável o desemprego ou a emigração.
Se alguém ainda pensa ir para Medicina por ter o emprego garantido e boa remuneração, em Portugal, desengane-se. E no setor privado os preços também estão a ser esmagados.
Basta olhar para os números de 2015 para se perceber melhor o problema: reformaram-se 430 médicos, acabaram a especialidade mais de 1000 e iniciaram a especialidade 1568. Ao mesmo tempo, a população portuguesa vai diminuindo rapidamente.
Escolher o curso de Medicina, atualmente, só mesmo por muita vocação!
É uma profissão extraordinariamente dura e exigente, muito complexa, que requer estudo intenso durante toda a vida, de elevado risco, em que se está proibido de falhar (se errar vai logo para os jornais e paga indemnizações milionárias), que obriga a lidar com doentes por vezes muito difíceis, que coloca os profissionais diariamente em contacto com o sofrimento das pessoas e com decisões muito sensíveis, que obriga a perder noites, fins de semana e a trabalhar no inferno das urgências, com uma enorme carga de trabalho e responsabilidade, que é remunerada apenas a oito euros líquidos/hora e que a curto prazo não terá emprego garantido.
Sabem que, depois de 10 anos de estudo, um MF que consiga ver doentes a um ritmo de três por hora (as administrações exigem mais!), é remunerado no correspondente a 2,77 euros líquidos/consulta?
Quando a sociedade perceber melhor a duríssima realidade da Medicina, as notas de ingresso começarão a baixar, pois o curso é cada vez menos atrativo.
Portugal não tem falta de médicos, tem sim um problema de organização e de contratação para o SNS. Nem sequer é uma questão de "interioridade". Há médicos que preferem emigrar, como anestesistas, por exemplo, do que serem contratados pelos grandes hospitais de Lisboa, devido à imensa desqualificação do trabalho médico em Portugal! Por isso, nos últimos quatro anos emigraram mais de mil médicos.
O que é que ainda não foi compreendido?