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1 A vinda e a instalação definitiva da coleção do artista catalão Joan Miró no Porto são mais do que uma disputa incipiente entre regiões e cidades, entre a capital cosmopolita e os "gajos" enfeudados no Norte, de linguajar duro e de conservadorismo à flor da pele. Ainda há, neste capítulo, quem o ache, vislumbrado pela catarse dos média abaixo do Mondego sobre as coisas bonitas lá de baixo e as coisas feias lá de cima.
Ficar com os Miró na cidade de Serralves e da Casa da Música, na região do Theatro Circo de Braga, do Centro Cultural Vila Flor de Guimarães, das casas das artes de Famalicão e de Vigo, sim, de Vigo, do Convento de S. Francisco, em Coimbra, só para nomear alguns dos espaços culturais mais emblemáticos, é um ato de inteligência e de sabedoria.
A descentralização do país, que se quer por isso mais colegial e unido, começa nos pequenos grandes gestos. Não é por os quadros ficarem no Porto. É porque faz falta ter uma ambição cultural que ultrapasse de uma vez por todas a visão de um território partido.
Claro que é preciso o cheque. Tema delicado num país de contas apertadas. E a coleção Miró já transporta consigo demasiados fantasmas. Que se espera sejam a partir de agora só passado.
2 É uma causa nobre apoiar António Guterres contra a hipocrisia internacional na corrida a secretário-geral das Nações Unidas. Não por ele ser português, no que seria um exercício de nacionalismo bacoco. Ou ex-primeiro-ministro, num tempo e numa conjuntura em que tinha tudo para fazer de Portugal um país mais decente e enérgico. Mas onde falhou em toda a linha, a começar pela incapacidade de decidir.
António Guterres merece todas as palavras de apoio que se lhe dediquem por ele próprio. Pelo que foi capaz, em tempos de populismos extremados, de fronteiras cerradas entre extremas-direitas e extremas-esquerdas, de exigir para tentar resolver o drama dos refugiados, exercendo um magistério de influência fulcral e ao arrepio dos habituais jogos de conveniências e conivências.
Esse caminho feito, mesmo que curto e cheio de muros, só a ele se deve. Assim como o percurso que fez pela sua própria candidatura a secretário-geral da ONU. Um homem só, de um país pequeno com pouca margem diplomática, apesar dos 500 anos de prática a construir pontes, contra tudo e contra todos.
Este Guterres é diferente daquele que conhecemos cá. E este Guterres fará bem ao Mundo, por muito que o Mundo continue tentado a manter as suas redes tentaculares de influência e domínio de uns poucos sobre muitos.