O dia nasce sobre a cidade de São Paulo. Vou de táxi para o aeroporto de Guarulhos. Passo por um viaduto com um mural gigante, pintado por um artista de rua. No desenho, um menino aproxima-se de um caracol e, através de um balão de banda desenhada, o caracol pensa: "que bicho nojento". Com esse mesmo desdém, durante toda a corrida, o taxista fala sem parar, usa exemplos dos dez anos em que viveu no Japão para atacar Lula.
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Ontem, foi o aniversário de Lula, 77 anos. Teve apenas um compromisso de campanha, aproveitou o resto do dia para comemorar com a família. Ou, pelo menos, foi essa a informação veiculada publicamente. Acreditar fica ao critério de cada um. Essa parece ser uma das regras deste tempo: cada um avalia e decide o que lhe parece ser verdade.
O mesmo parece acontecer com os tempos de antena nas rádios do Nordeste. Bolsonaro e seus defensores garantem que lhes foi subtraído tempo e que, por isso, as eleições têm de ser adiadas. O Tribunal Superior Eleitoral, por seu lado, não deu seguimento a essas queixas, considerando que lhes faltava uma "base documental crível".
Por falar em documentos, num dicionário desta campanha, teria de vir o termo "descondenado", usado pela direita, criado para sublinhar que Lula não foi absolvido. Antes desse, seguindo a ordem alfabética, não poderia faltar também o termo "aporofobia", que significa "aversão a pessoas pobres", usado pela esquerda referindo-se à direita brasileira.
Entretanto, faço um voo de três horas e, ao fim da manhã, aterro em Fortaleza. No estado do Ceará, Lula teve mais de 65% dos votos da primeira volta. Por isso, ao entrar no táxi, animado pelo sol e pela informalidade do momento, pergunto: "é hoje que vou conhecer um taxista que apoia Lula?" O olhar no espelho retrovisor diz-me que não, ainda não é hoje. E, durante toda a corrida, fala sem parar, usa exemplos das obras públicas em Fortaleza para atacar Lula.
*Escritor
